Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 11.07.1976

Barra

Um presente para os pais e filhos da Tijuca

Indiscutivelmente o valor maior da montagem de Zartan, o Rei das Selvas?, de Ilclemar Nunes, está acima das qualidades que possam existir no texto e na montagem. A encenação de Zartan extrapola o significado – já amplo – de uma peça para crianças, a fim de se inscrever numa órbita mais abrangente: a da cultura, compreendida aí no seu aspecto mais fundamental que é o de retirar das atividades artísticas o seu valor isolado, relacionando-as diretamente com a vida da comunidade. Neste sentido, a abertura em definitivo para o público da Zona Norte do Teatro do Instituto de Educação, obtida com
a temporada de Zartan, poderá transformar a Tijuca num pólo de efervescência cultural da cidade. Sendo bem administrado e contando com uma programação de qualidade, esse teatro de 800 lugares que passará brevemente por uma série de reformas, tem tudo para se transformar num “ponto” para apresentação de bons espetáculos, como também (e, talvez, principalmente) numa casa que incentive, estimule e desenvolva os talentos locais. A direção do Instituto, inclusive, já manifestou sua filosofia de trabalho, que terá o adolescente como base. Mas que o adolescente seja visto não apenas como público, mas também, como elemento criador.

No que se refere a uma boa programação, o teatro do Instituto de Educação acertou com Zartan. Longe de ser um espetáculo excepcional (este ano, tivemos apenas um: A Fabulosa História de Melão CityZartan é um espetáculo inteligente, bem feito e que diverte a criançada. O texto de Ilcemar Nunes descobre um filão que, infelizmente, não é explorado até as últimas consequências: a história de um Tarzan subnutrido, no Brasil. É interessante misturar a selva amazônica com viagens espaciais e conjuntos jovens de música pop, mas isso acaba causando uma certa dispersão e ficam abandonadas todas as imensas possibilidades de transar com um Tarzan-Zartan que, de tão fraco, não aguenta carregar a mocinha no colo.

De qualquer forma, tendo optado pela “mistura”, Ilclemar Nunes conta sua história de modo correto, obtendo bons resultados com a desmistificação dos super-heróis (o Zartan depois da gripe; o xerife medroso que tem péssima pontaria; e a super-heroína espacial que não tem qualquer iniciativa quando deixam de funcionar seus superpoderes). Em contrapartida, o autor manifesta sua simpatia pelos jovens, que vivem uma outra era e que são tão incompreendidos e perseguidos pelos mais velhos (Easy Rider está aí mesmo!). O texto só falha quando deixa os heróis (??) presos no poço, quando nada os impedia de sair dali.

A encenação também funciona a contento. O começo é muito bom, lá para o meio o espetáculo fica um tanto descosido, mas cresce novamente no show final. O equívoco básico, entretanto, está na linha estabelecida para o trabalho dos atores. Sendo o autor também o diretor, é até de estranhar que não percebesse que Zartan, Maria Arrasabof, Zé Papoula e Joça Beijaflor adotam comportamentos que contrariam as ideias do texto. Zartan é subdesenvolvido, mas não necessariamente abobalhado (aliás, o bom físico de Nelson Perez (Zartan) é uma contradição em termos de informação visual); e o trio de cantores adota uma atitude tão “bandida” que fica um pouco forçado ter de admitir, ao final, que são todos “bonzinhos” e que só desejam cantar.

Entretanto, todo o elenco cumpre com acerto suas tarefas, mesmo os atores com linhas equivocadas, destacando-se Adele (Lunita) que atua com muita segurança, fazendo bom uso de sua comunicabilidade; Nairo Marques (Xerife Canotorto), com um bom trabalho de corpo; e Lúcia Chayb, ainda “representando” um pouco, mas com boa dinâmica e bela voz. A música de Cláudio Barreto é gostosa, mas a apresentação dos números musicais tem altos e baixos. Zartan é um espetáculo inteligente e feito com cuidado. As crianças podem chegar perto sem o perigo de serem atacadas.