A noite chega pelas mãos de Walkíria Alves, para tornar mais difícil a missão do Papel

Em suas andanças, o Papel (Personificado por Ilo Krugli) toma um ônibus (feito por Pedro Veras), para ir ao Castelo medieval

Matéria publicada no Correio Braziliense
Sem Identificação – Brasília – 28.03.1976

Barra de Divisão - 45 cm

Com rápidos desenhos, a atriz cria o personagem: O Papel, cuja missão é salvar Azulzinha

De oitenta lenços e objetos diversos, “faz-se” o Dragão, aos olhos do espectador

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Barra de Divisão - 45 cm

De Lenços e Ventos, de papéis e objetos, nasce o espetáculo

Com o espetáculo História de Lenços e Ventos, apresentado em Taguatinga e agora em cartaz no Teatro Galpão, o movimento de nossos palcos se completou neste fim de semana, atendendo a três grupos distintos de espectadores: o infantil-juvenil, o da juventude, com O Inspetor Geral e o eclético, com O Navio Negreiro. Em que pese as dificuldades relativas a salas de espetáculos, a Sala Martins Penna abre seu palco para Vado, com o poema de Castro Alves, e o Galpão vê sua arena tomada, à noite, pelos habitantes corruptos de Asdruburgo, e de dia, invadida pelos ventos e pelos lenços do Ilo Krugli.

Com tantas opções fora do cinema e da televisão, o brasiliense vai mostrar, esta semana, a sua capacidade de “consumir” teatro e oferecer, aos responsáveis pelas programações futuros elementos básicos para uma tomada de posição com base na realidade.

Uma História Mágica

História de Lenços e Ventos é qualquer coisa simples que se estrutura e desenvolve partindo do sentido mágico que a criança dá à vida. Aparentemente é uma história que não existe, bem como não existe os seus personagens. Tudo parece nascer, magicamente, no palco, aos olhos das crianças. E isso acontece da forma mais natural possível, como se uma criança, no seu mundo de “faz de conta” decidisse que uma caixa de fósforos é uma tartaruga, com movimento, vida e problemas que a imaginação infantil passa a lhe emprestar, desde o instante da “decisão”.

Il Krugli e seus companheiros do Grupo Ventoforte entram em cena, para apresentar História de Lenços e Ventos, para contar as aventuras de Azulzinha, que quer brincar com o vento. Mas Azulzinha nem chega a surgir em cena, pois tem seu sonhado encontro com o vento e por ele é levada pelas quebradas do mundo, indo se confinar num castelo medieval.

Em plena cena, tomados e surpresa pelo desaparecimento de Azulzinha, os atores começa a discutir a melhor forma de salvá-la. Para isso, é preciso criar um personagem, que possa chegar, rapidamente, até o castelo. Discutem entre si, interpelam os espectadores ( no caso as crianças), examinam os matérias de que dispõem (vassouras, vasilhas, mala velha, jornais, etc.), e tentam soluções, na base do “non-sense” infantil, transmigrados, já nesta altura dos fatos, para o mundo da criança. Um sugere criar o personagem Papel, que pode, como o lenço, ser levado pelo vento. Assim, com essa facilidade de transporte,chegará facilmente ao castelo, para salvar Azulzinha, que todos amam.

Então sob os olhos mágicos das crianças, nasce o Papel, personagem de categoria. As aventuras se sucedem, o Papel viaja, toma ônibus vive mil-e-uma situações, sob a chuva (que é feita através de uma bacia furada), sob o tempo (a noite chega, trazida por uma atriz) até bater às portas do Palácio, onde o guardas de metal barram a entrada. Tristeza, no Castelo, Papel não entra, pois ali só entram materiais de melhor “status” como os metais ou lenços de seda.

O Papel é queimado, solenemente e brutalmente pelos guardas.

Os atores, como no começo, se perguntam e perguntam ao público:

– E agora, como salvar a Azulzinha?

As crianças e os atores, irmanados no mesmo desejo, procuram, como no inicio a solução.

– Só um Dragão pode vencer a fúria do Rei do Castelo. Um dragão bem grande, bem forte, mas feito de que?

– Sim, de que?

Os atores estudam todos os materiais de que dispõem: só lenços e utensílios de madeira e metal. E se decidem a “criar” ali mesmo, o Dragão vingador.

Com a magia do mundo infantil, com a participação dos espectadores, montam com mais de oitenta lenços e utensílios diversos, o novo personagem, que vai substituir o Papel, que os guardas queimaram à entrada do castelo medieval.

Pronto, o Dragão é montado por um dos atores e parte para salvar Azulzinha.

Tudo isto é revestido de magia, de beleza, que a música e a luz envolvem e fazem parecer real, dentro da fantasia.

Não tendo nada aparentemente História de Lenços e Ventos tem tudo: drama, alegria, aventura, que as crianças ajudam a criar, dentro do palco e da plateia para a formação de um dos mais bonitos e mais criativos espetáculos teatrais já criados, para crianças ou para adultos.

Isto foi possível, segundo Ilo Krugli, porque a criança que ainda não foi demasiadamente atingida por uma cultura conceitual, é mais livre. Para ela, nascer, viver e morrer têm significados diversos do que para o adulto, e, portanto, os experimenta continuadamente através de seus jogos. Estas experiências  tem a grande força das transformações simbólicas e ela se diverte e brinca com essas transformações. Para ela não existe nenhuma dificuldade de passar monstro para fada.

Está pronto para receber as mensagens das transformações e mudanças. Não tem noção restrita, nem rígida, do bem e do mal. Sabe que tanto um como o outro transitam por caminhos que se desenvolvem entre dois extremos: a liberdade e o afeto. No nosso espetáculo, estamos tentando isto: andar a desandar um caminho, tal como acontece com um brinquedo de criança, ou como acontece em uma forma mais oculta, com o adulto, através de sucessivas máscaras. Os atores não vão fazer de contas que são crianças: vão tentar fazer o que o índio faz com as crianças: comunicar-se com ela, criando um horizonte de igual para igual, nunca falara lá de cima: ou bem levantá-la até a altura  dos seus olhos ou bem se ajoelhar até a altura dela. Dentro desta dimensão, é possível que até surpreendamos a criança com o nosso espetáculo, já que está acostumada a ver o adulto como um ser distante, racional e autoritário – aquele que dentro da sua racionalização limita a possibilidade de escolha e empobrece o ato imaginativo.

O Grupo Ventoforte

O Grupo Ventoforte, do qual Ilo Krugli é o coordenador, trabalha profissionalmente, mas guarda, como os jovens de “Asdrubal Trouxe o Trombone”, as estruturas amadorísticas, para n]ao cair na malha do teatro puramente comercial. Todos fazem de tudo, no espetáculo e todos participam nas mesmas condições, de seus resultados ou de seu fracasso.

O Ventoforte não pretende ser apenas um grupo que monta espetáculos infanto-juvenis. No ano passado, fez uma experiência: montou o mesmo texto simultaneamente, para adultos e crianças, com as necessárias adaptações, naturalmente. Foi assim, que no Rio o texto Da Metade do Caminho ao País do Último Círculo, foi visto de noite por adultos com um tipo de linguagem e de interpretação, e de dia, para crianças, com outra linguagem. A experiência foi válida segundo Ilo, Pedro Veras e Walkíria Alves, que nos visitaram.

Participam, ativamente, do Grupo: Ilo Krugli, Silvia Aderne, Walkíira Alves, Paulo César Brito, Pedro Veras, Sérgio Fidalgo, Regina Costa, Tarcísio Ortiz e Beto Coimbra.

Em Brasília

A rápida temporada do Grupo Ventoforte em Brasília, com a peça História de Lenços e Ventos, sob o patrocínio da Fundação Cultural do Distrito Federal está sendo realizado em cidades satélites (Taguatinga), e no Teatro Galpão. No sábado, um espetáculo às 16 horas, e dois espetáculos, domingo, às dez e 16 horas.