Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 1976
Fonte de beleza e de algumas dúvidas
Eis aí mais uma experiência de teatro na Escola Integrada Isa Prates. Como sempre, a produção é rica, extremamente bem cuidada. Entretanto, falta alguma coisa em Til que não consegue, nem de longe, atingir o público com a força de A Inacreditável Aventura na Selva de Moça Maria, montada no primeiro semestre.
O principal problema, em Til, é a indefinição do herói. Suas ações não são esclarecedoras de um ser humano que vive num processo de busca de autenticidade e de sobrevivência. A trama da peça não é clara e deixa o espectador sem dados suficientes para avaliar o personagem principal: seria Til, num enfoque simplista, apenas uma pessoa desonesta, mas que, no fundo, é extremamente simpática? Ou seria uma pessoa fora do sistema, na medida em que todos devem usar óculos/ máscaras, mas, quando Til usa os seus, sente-se esquisito, diferente? Ou seria um mágico, curando a moça enferma? Ou um charlatão? Ou seria um personagem que age para desmascarar a hipocrisia dos poderosos? Til cheira um pouco a Malazartes, mas falta-lhe uma boa dose de justificativas.
Til pode ser apenas uma dessas definições; ou nenhuma; ou todas. O que importa, apenas, é que a montagem assuma a linha do personagem e desenvolva-a coerentemente, deixando possibilidades reais para que o público – principalmente o infantil – possa participar do processo de evolução do espetáculo com um mínimo de informações básicas (o que é claro, não significa ser óbvio, chamando a criança de “burra” a todo instante).
A principal causa da indefinição encontra-se no texto. Como não conheço o original do norte-americano Jonathan Levy não sei se as falhas cabem ao autor ou à tradutora-adaptadora Maria Luísa Prates. De qualquer forma, faltam certas justificativas para o desenvolvimento da trama: porque os dois “médicos” fracassam, mas Til consegue curar a moça?; se Til curou a menina e tinha direito à recompensa, porque rouba o dinheiro?; se Til é um grande espertalhão, porque a trama consente que ele seja descoberto e aprisionado de uma forma tão ingênua?
A linha dada pela diretora Maria Luísa Prates se identifica com a pouca definição do texto: também o espetáculo não é claro e preciso nas suas ênfases, na movimentação dos atores, na utilização dos números musicais, entretanto, a montagem é perfeitamente visível e de um extremo bom gosto. O elenco, formado por alunos bastante jovens, cumpre sua missão cantando, dançando, interpretando. Mas a maneira de interpretar tão de fora para dentro, tão visivelmente artificial, nos coloca no caminho de algumas reflexões.
A atividade teatral na Escola Integrada Isa Prates é uma experiência que deve ser estudada com atenção. Ela é, antes de mais nada, uma exceção na nossa realidade escolar; é uma experiência que se beneficia da disponibilidade de uma boa soma de dinheiro, o que permite produções bem caras, com um acabamento de primeira em que a preocupação plástica chega à sofisticação – como pode ser constatado através de cenários, figurinos e iluminação. É uma escola que se dá ao luxo de ter, no momento, quatro grupos de teatro, diferenciados pela faixa etária. A primeira pergunta que surge é: estarão, na realidade, todas as crianças e adolescentes desses grupos de teatro necessitando da montagem de espetáculos? Ou o teatro, para eles, seria mais útil se estivesse preocupado em desenvolver de modo amplo – e sem as limitações da montagem de uma peça -, as potencialidades do aluno, promovendo seu autoconhecimento, despertando-o para a criatividade e para a consciência crítica? (Já não restam dúvidas de que os jogos dramáticos e os exercícios de integração prestam-se bem mais a tais objetivos que a encenação de uma peça). E será que todos os elementos dos quatro grupos já alcançaram maturidade suficiente para, recebendo elogios, não se transformarem em “estrelas” e, recebendo críticas, não se fecharem?
Parece claro que só as professoras da escola, que conhecem de perto a evolução dos alunos, poderiam responder a tais perguntas. Até que ponto o teatro, na Escola Isa Prates, funciona com uma preocupação mais artística que educativa? Até que ponto os belos figurinos de Alceu Penna deveriam ser preferidos em favor de figurinos feitos pelos próprios alunos? Talvez não fossem tão belos, mas trariam uma participação mais ampla do aluno (e um consequente desenvolvimento) dentro do processo criativo da feitura de um espetáculo – caso o estágio de evolução esteja solicitando a montagem de peças. A mesma pergunta referente aos figurinos deve ser estendida para os demais elementos, como texto, cenário etc. Ficam lançadas as questões.