Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 25.04.1976
Fica bastante visível, em O Soldadinho de Chumbo, o interesse que tem o grupo realizador em criar um espetáculo cuidado e de bom nível. De um modo geral, essa intenção se concretiza na maior parte da montagem – um trabalho bem acabado, correto. Mas, para que O Soldadinho de Chumbo fosse algo mais que “um trabalho correto e bem acabado”, alcançando um nível que ultrapasse o “comum”, ele necessitaria derrubar dois obstáculos principais; o texto e a cenografia.
A peça de Suely Poggio já parte de uma ideia extremamente batida; brinquedos que ganham vida durante a madrugada e se envolvem numa aventura até que o sol nasça. Caso partisse de um tema tão antigo, mas concedesse um tratamento novo, essa “jornada para dentro da noite” poderia criar polos de interesse. Mas a autora trata um tema velho de uma forma também velha. Assim sendo, ação se desenvolve através do recurso de esconder personagens; há ações determinantes da sequência que são arbitrárias; porque a bailarina não consegue colocar a espada na bainha? (só para justificar o aparecimento da fada?); e há, também, frases que cheiram a conformismo e que são de duvidosa qualidade literária; “sou feliz como sou. Pobre, mas cheia de alegria no coração”.
A cenografia de Juka Manhães dificulta uma relação de envolvimento com a plateia. Mesmo partindo da ideia de uma estrutura com base em armações de madeira, o cenógrafo poderia ter curtido mais os dois cenários, principalmente levando-se em consideração as possibilidades existentes, já que o primeiro é um quarto de criança e, o segundo, um parque.
A direção de Rogério Fróes tem o grande mérito de conseguir, com um texto e com um cenário que caracterizam o “chavão” do teatro infantil, fazer uma montagem limpa, nada apelativa, e que “conta” uma historinha de modo a que as crianças se divirtam. Apesar de não ter conseguido escapar da marcação mais repetida do teatro infantil (atores que andam de costas e se esbarram) Rogério Fróes montou um espetáculo que corre bem, onde se destaca a linha dada ao personagem da fada (no que foi auxiliado por Clarice Derziê, atriz que impõe um novo ritmo no espetáculo, transformando-se em fator de interesse com seu desempenho comicamente crítico). Outro ponto positivo do trabalho de Rogério Fróes está na direção dos atores; estão todos muito seguros, formando um grupo homogêneo e que dá conta do recado com uma interpretação liberta do estilo criançóide.
O Soldadinho de Chumbo, em cartaz no Teatro Tereza Raquel, é um espetáculo onde não há grandes voos. Todavia, é correto e sem contraindicações.