Critica publicada em O Globo
Por Flávio Marinho – Rio de Janeiro – 18.02.1987
Dificuldades para manter o ritmo
Quando William Shakespeare escreveu Romeu e Julieta no finaldo século XVII, não podia imaginar que seu texto ia dar tanto pano pra manga. Muita gente se inspira, até hoje, naquela tragédia poética de dois jovens impedidos de amar pelas duas famílias rivais: os Montéchio e os Capuletto de Verona. Uma das mais brilhantes adaptações da peça foi, sem dúvida West Side Story de Leonard Bernstein e Stephen Sondhein. Musical americano que transportava a ação para as ruas do West Side de Nova York, transformando as famílias em gangs de porto-riquenhos e americanos.
Grafitti Coração, de Bernardo Horta e Marcos Milone – atual cartaz do Teatro Despertar (ex-Circo Delírio) – , também bebe na mesma fonte. Na realidade, está mais para West Side do que o original, ainda que esquematize demais as relações entre as personagens e esvazie suas implicações sociais. Agora, tudo se passa em Copacabana nos dias de hoje, com duas gangs rivais (uma dark e outra careta), com muitas referências à discoteca Help, ao Crepúsculo de Cubatão, à Chaika e tudo o mais que faça parte do universo do jovem urbano Zona Sul de hoje. Amenizando os conflitos e a poesia originais, o trabalho de Horta & Milone está interessado apenas em contar uma história. E, até certo ponto, em fazer uma breve radiografia comportamental da juventude no seu dia-a-dia. No inicio, as cenas curtas, os diálogos enxutos, o colorido da gíria quase conseguem atingir a proposta. Mas, da metade para o fim, a dupla tenta ficar séria, saí do tom e desanda.
A direção de Bernardo Horta segue a mesma curva decrescente do material escrito. Tem um início altamente promissor – ao som da chique citação de Sábado em Copacabana por Dirck Farney – com muita movimentação cênica, efeitos de luz e vinhetas musicais que vão de Moon River a Festa do Bolinha. Apesar de certas marcações óbvias, (talvez até por elas) como colocar um teenager aos pulos para mostrar sua inquietação, o espetáculo, até a metade, chega a esboçar um simpático clima de comédia romântica americana dos anos 60, classe B – algo assim como as beach parties de Frankie Avalon e Annette Funicello. Este “charme adolescente”, no entanto, acaba revelando-se frágil e fica evidente a dificuldade de aproveitar o amplo espaço cênico disponível.
O resultado é um espetáculo que corre frouxo, com sérios problemas de ritmo e de uma atmosfera melhor definida. Ainda assim, quando Romeu, após a cena do balcão, sai pelas ruas cantando Singing in the Rain, cria-se um breve momento de emoção. Pena que tudo vá por água abaixo quando se instala em cena uma insustentável dramaticidade. Sem falar num constrangedor sonho “de época” do herói. O jovem elenco possui garra juvenil, mas esbarra em problemas técnicos, de emissão vocal, agravados pela péssima acústica do circo. Apesar de tudo, a julgar pela reação da plateia de segunda-feira, a montagem parece se comunicar com o público a que se destina: os jovens. Nesse sentido, possui elementos para fazer uma boa carreira.