Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 04.07.1976
A inacreditável (mente) bela aventura de Moça Maria na selva
Eis aí um belíssimo espetáculo. Feito numa escola, contando com atores amadores (o elenco é formado por adolescentes de 11 a 16 anos), a montagem tem um tratamento profissional de alto nível. Existe, a todo instante, uma preocupação – sempre bem resolvida – com a criação de atmosferas que envolvam o público infantil e adolescente (e, também, o adulto). A força visual do espetáculo é indiscutível. O cenógrafo-figurinista, Luiz Carlos Figueiredo, vem demonstrando, a cada trabalho, um desenvolvimento crescente de seu talento – já é hora de ser descoberto pelos empresários. Seu espaço cênico, aliado aos elementos formadores do cenário, aos criativamente ricos figurinos e à iluminação de Jorginho de Carvalho, é o ponto de partida para toda a direção de Maria Luísa Prates. A diretora explora bem todo o mundo mágico criado através dos elementos visuais e da música. É boa, clara e expressiva a movimentação dos atores.
O texto adaptado pela diretora (de um original americano de Jack Stokes) mistura fantasia e realidade. E, apesar de fazer uso do maniqueísmo (as bruxas fazem a parte má, funcionando como antagonistas), o próprio autor derruba os conceitos de bem e mal como entidades estanques; o doutor é bom, mas é covarde; as bruxas lutam contra Maria, mas só até certos limites. E esse jogo de ambiguidades torna-se patente ao final, quando se percebe que o príncipe e o doutor são partes de uma mesma pessoa. A ressaltar, ainda, a defesa da autonomia do ser humano em definir seu próprio destino. Maria é escolhida para o sacrifício de atravessar a floresta e salvar o príncipe. Como recompensa, casará com ele. Maria salva o príncipe, mas recusa o matrimônio. Primeiro, porque não o ama; e, segundo, casamento é uma coisa viva que envolve paixões; não pode ser “recompensa”.
Os atores estão seguros, mas se nota ainda um certo artificialismo de composições e um estilo desnecessariamente recitado. Entretanto, o tom firme mantém-se durante todo o desenrolar da peça, alcançando inclusive momentos de forte emoção (quando Feféia – Márcia Carneiro – queima as mãos para salvar o amado) ou instantes de brilhantismos, com a atuação de Isabella Secchin como Takaya, a bruxa-chefe. Esta menina pinta como uma atriz de muitas possibilidades e recursos: noção de timing, boa voz, humor crítico, fácil comunicação com a plateia (auxiliado pelo seu indiscutível charme cênico).
Atividade extracurricular da Escola Integrada Isa Prates, o teatro do Tisa vem se firmando no panorama carioca como um bom lugar para levar as crianças. Há bom gosto, qualidade, e o fato de estar ligado a uma escola, por incrível que possa parecer, não lhe carrega de ranço falsamente educativo. É uma pena que suas peças fiquem sempre tão pouco tempo em cartaz. A Inacreditável Aventura na Selva de Moça Maria terminará sua temporada hoje. Não percam.