Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 30.03.1975

Barra

Lumu, um macaquinho insustentável

De repente, enquanto a peça se desenrola, o público vê um ator (que não está em cena) passeando calmamente no fundo do palco, sem mostrar a mínima preocupação para com o fato; de repente, a peça para a luz se apaga, entra um ator e, com pregos e martelos, troca o cenário, numa atitude – diga-se de passagem – que nada tem a ver com uma vanguarda anti-ilusionista; de repente (enquanto a peça se desenrola) aparece um pé e, disfarçadamente, tenta ajeitar uma cesta que ficara mal colocada; de repente, surge uma desinibida mão e ajeita melhor a cesta, aproveitando-se para colocar dentro dela o gatinho que havia saído; de repente (e o espetáculo (??) prossegue…) aparece a metade do corpo de um ator (que não está em cena) e o indisciplinado gato é finalmente retirado para as coxias; era evidente que o bichano não estava disposto a se comprometer com um trabalho tão negligente – ele queria sair de cena de qualquer jeito.

Quando se vê um trabalho tão desculpado como Lumu, somos levados a parar um pouco e a refletir. Será possível que haja pais tão míopes que não percebam que estão sendo espoliados? Que não vejam que seus filhos estão entrando em contato com um comércio de baixa qualidade que nada tem a ver com arte, experiência estética ou, até mesmo, com apenas um agradável divertimento? E a reflexão seguinte é sobre a crítica: qual sua função? Penso que o trabalho de análise deve compor-se de algumas características básicas. A primeira delas, claro, apesar do que dizia Baudelaire, é ser justa e imparcial. A segunda, ser dinâmica, útil e criativa, não permanecendo numa teórica e distante torre de observação, mas participando do processo de evolução artística, descobrindo, analisando, propondo e orientando artistas e público na tomada de novos caminhos. E terceira: ser rude quando preciso, mas nunca humilhar ninguém.

Mas, no caso de Lumu, onde tudo é primário, improvisado, feito sem o mínimo grau de conhecimento técnico; onde tudo é realizado sem levar em conta que existe um público pagando ingresso e que tem de ser respeitado; no caso de Lumu, onde os atores nem sabem o texto direito e tropeçam a toda hora; onde tudo é feito com desleixo; onde não se nota a mínima vontade de acertar; onde não se vê nenhum compromisso com a arte; onde o único compromisso é com o preço do ingresso; no caso de Lumu, em que os empresários não param um momento para refletir no fato de que sua plateia é infantil e que sua mercadoria não é um produto qualquer: é uma mercadoria a ser consumida por crianças; no caso de Lumu, em que é até criminoso associar o nome de Lúcia Benedetti a tal anarquia; neste caso, no caso de Lumu, o Macaquinho Verde, em cartaz no Teatro Miguel Lemos, é muito difícil o cumprimento da terceira característica básica que rege, para nós, a função da crítica. Por isso para não humilhar ninguém, sem nem chegar a citar nomes, a critica acaba aqui.

Recomendações da Coluna:

Com pequenas restrições: Você Tem um Caleidoscópio?; A Viagem do Barquinho A Varinha do Faz de Conta.