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Por Tânia Brandão – Rio de Janeiro – 1987
Banho de cultura em Ipanema
O Grupo Tapa leva para o palco da Casa Laura Alvim O homem que sabia javanês, um dos melhores textos de Lima Barreto
Banho de mar, banho de sol, banho à Fantasia, banho de moda, banho de loja: são opções que Ipanema oferece e que fazem a felicidade dos seus frequentadores. Mas Ipanema é um mar de novidades e a partir de hoje, na Vieira Souto, é possível desfrutar ainda de um banho cultural. Na Casa de Cultura Laura Alvim, em horário alternativo, está entrando em cartaz o quinto espetáculo do Festival de Teatro brasileiro – Ano III, promovido pelo Grupo Tapa. Nada mais, nada menos do que uma adaptação do conto O Homem que Sabia Javanês, um dos melhores textos do mulato que viveu em Todos os Santos e registrou nas letras a cara do Rio no início do século – Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922). Sensível ao extremo, afilhado de nobre, mas filho de um gráfico humilde, Lima Barreto não conseguiu superar as barreiras violentas que a sociedade de seu tempo erguia ao redor. Não conseguiu formar-se engenheiro pela Escola Politécnica (Largo de São Francisco), nem muito menos realizar uma carreira semelhante àquela do outro grande mulato, filho de lavadeira, Machado de Assis.
Lima Barreto bebia. Percorria a cidade de bar em bar. Enlouqueceu, andou nos hospícios, jamais superou o ressentimento e morreu pobre. A adaptação do texto agora encenada, assinada por Anamaria Nunes, trabalha com todos estes temas. E muitos outros mais: é parte do Projeto Escola do jovem grupo de teatro, espetáculos cujo objetivo é familiarizar os estudantes com as coisas do palco, de acordo com uma ótica cultural intensa. Assim, a montagem está encerrando o século XIX e iniciando o século XX no Festival, está fazendo a passagem do realismo naturalista para o realismo social. As montagens anteriores dão uma ideia da riqueza das informações oferecidas: Martins Penna (O Noviço), França Júnior (Caiu o Ministério), Artur e Aloísio de Azevedo (Casa de Orates) e Machado de Assis (O Alienista). Na cena, o personagem Castro, honesto e trabalhador, ético e malsucedido, é identificado com o próprio autor. Ele vive às voltas com Castelo, modelo de oportunista e cínico, à semelhança da sociedade branca de então. É o que sempre “se dá bem”.
Com tudo isto, o grupo está querendo valorizar também a história do Rio, palco e berço da ação. Um dos interesses – segundo Eduardo Wotzik, diretor do Projeto – é sugerir a discussão de nossos racismos e suas seqüelas, coisa de que muita gente boa, preta ou mulata, já reclamou em Ipanema. “Curioso” – observa – “é que Lima nasceu em Laranjeiras e morreu em Todos os Santos, enquanto Machado nasceu no Morro do Livramento e morreu em Botafogo”. Lima Barreto não embranqueceu e, ao longo da vida, desceu a escada social. Dizem alguns que o fundador da Academia Brasileira de Letras chegou mesmo a vetar o seu ingresso na instituição. (…)
Os estudantes e o público em geral não terão, na Casa de Cultura, apenas uma peça. Como sempre acontece com os trabalhos do grupo, o Museu dos Teatros vai montar uma exposição com material iconográfico e documental no saguão. Grandes personalidades estudiosas do autor farão palestras, nas terças-feiras. Duas já estão programas – Francisco Assis Barbosa, autor de excelente estudo sobre a vida e a obra do escritor, será o primeiro a falar. Em seguida, grande surpresa: Martinho da Vila. O pessoal do Tapa descobriu que o Lima é uma das suas grandes paixões.
Eduardo Wotzik está inteiramente tomado de alegria, por causa do projeto. “O trabalho com as escolas, para formação de plateia, começou como mambembe. Íamos de escola em escola , atuando com os professores mais dedicados. Percorremos o Rio, do Leblon a Campo Grande. Fizemos grandes amizades, criamos um público fiel. Depois, passamos para este outro momento: em lugar de ir às escolas, os estudantes é que vêm ao teatro. Não são mais paparicados pelas professores e pela gente. Muitos começaram a gostar de teatro assim. A primeira casa que nos abrigou foi o Teatro Ipanema. Mas agora o projeto chegou no seu ponto ideal: está numa casa de cultura. Isto significa a chance de um banho de cultura mesmo, na Viera Souto. O prédio tem valor cultural, tem um museu dedicado a Laura Alvim, tem cinema, vídeo, exposições, outras peças, cursos. O que mais nós poderíamos desejar, para oferecer às novas gerações?”
As atividades estão sendo realizadas, na verdade, por parte do Grupo Tapa, já que o núcleo mais antigo da equipe está em São Paulo, no Teatro Aliança Francesa, onde ficarão, com três peças simultâneas, até o ano que vem. “A galera que ficou no Rio segue as mesmas ideias e todos se desdobram para o projeto sair, do palco até as ruas.” Com um teatro fixo, acrescenta ainda o diretor, “nosso trabalho ficou mais gostoso de fazer porque pode ser aperfeiçoado, com cenário mais cuidado”. É o que a longa ficha técnica leva a pensar. No elenco, Flávio Antônio, Wilson Rabelo, Fernando Rebelo, Rogério Corrêa, Suzana Kruger, Vera Regina, Paloma Riani, Elvira Lemos, Marisa Furtado. A direção e os cenários são de Eduardo Wotzik, os figurinos de Lola Tolentino, a iluminação é de Wagner Pinto, a música e a direção musical são de José Lourenço e Paulo Steinberg.
Tímido, Eduardo Wotzik chega a ficar vermelho quando a pergunta, objetiva, é sobre o batalhão de fãs que o grupo deve estar tendo, fãs juvenis, que conseguem ser críticos implacáveis. Apesar do rubor, ele concorda que a equipe está arrasando corações. E não só nas escolas, que procuram o grupo para recomendar suas peças como apoio para os estudos em classe: a filha do crítico de teatro Marcos Ribas de Faria não perde uma montagem e fica ansiosa aguardando cada novo cartaz. Paixão que tem em comum com a filha de Afonso Romano de Sant`Anna. A partir de hoje, às 21 h, e todas as quartas, quintas e sextas, às 17h, aos sábados e domingos, às 16h, portanto, mesmo sem sol, a Vieira Souto vai andar banhada em luz. Serão bem recebidos todos os que amam a cultura. Os professores, inclusive, que cuidam da sobrevivência cultural de todo o povo, são convidados permanentes. Em qualquer sessão, não pagam ingresso. Ipanema vai andar repleta da radiosa alegria dos que gostam de tomar banhos culturais, às voltas com o espetáculo O Homem que Sabia Javanês.
O Tapa, pelo outro lado
Professora de Português do Instituto de Educação, Sara Marta Attie, 45 anos, acompanha o Projeto Escola do grupo Tapa desde os primeiros tempos e é uma defensora ardorosa da proposta, como se pode ver pelas declarações prestadas à reportagem:
“Levo minhas turmas e mobilizo toda a escola faz mais ou menos uns dez anos…muito tempo, não sei nem direito. É um trabalho fantástico. No Instituto de Educação, que é uma escola de formação de professores, você chega na primeira série do curso normal e nunca ninguém foi ao teatro. Às vezes, uma, em mil alunas, foi. Então nós levamos para ver o Tapa, porque é um trabalho de categoria, não é teatrinho, não.
Acho que, quando eles iam ás escolas, atingia mais. Agora, com os alunos indo, vê-los é melhor porque aprendem a ir ao teatro, comprar o ingresso. Mas a vantagem antes é que todos viam a peça. De qualquer maneira, o saldo é muito bom. Temos uma quantidade imensa de alunos, umas quatro lotações. Se 50 adquirirem o hábito de ir ao teatro, já é uma vitória. É uma tristeza a desmobilização atual com relação ao teatro, à cultura.
Para dar aula, a proposta é ótima, foge da monotonia do cuspe-giz, que ninguém agüenta. O Tapa faz um trabalho lindíssimo, de importância fundamental na história do Teatro Brasileiro. Eu coloco neste nível. Porque é sério, não é para ganhar dinheiro com os alunos. É importante divulgar o trabalho deles. A qualidade é tanta que está durando, cada vez melhor.”