Crítica publicada na Tribuna da Imprensa
Por Renato Nogueira Neto – Rio de Janeiro – 31.07.1988
Cobertor de Orelhas, olhos, sentidos…
Deve ser o frio, e a lembrança que ele traz dos bosques europeus ou qualquer coisa assim. Hoje, há uma semana, estreou na Casa de Cultura Laura Alvim o espetáculo Os Visigodos, que de modo curto – muito – e grosso – não tanto – é a história de duas tribos de duendes. Hoje, daqui a pouco, entra em cena no Maracanãzinho o grupo Jethro Tull, nome aliás de um bruxo inglês que inventava alquimias lá pelo século 18. Entre a peça e o show, nada muito além dessa simpatia nutrida e exercitada por druidas e fadas. E o efeito – no caso estreado – e a promessa – no outro – de esquentar o tal frio com talento e bom gosto. A essa o que lhe cabe. Quem espreguiçou a lerdeza vespertina – praxe em sábados frios – esse abateu raptado. A peça Os Visigodos de Karen Acioly, acontece feito mágica. Há na hora de duração momentos em que o coelho foge pro lado errado , mas isso foi pouco pra balançar a expressão de prazer que pais e filhos carregavam depois da tal hora.
A história é a seguinte: duas tribos de gnomos vivem de provocações de e duelos. Uma delas – os visigodos – é formada por serzinhos doces e infantis. Outra – os ostrogodos – reúne figuras menos espontâneas e mais maliciosas. Essas diferenças, marcadas pela precisão do trabalho corporal e pelo esplendor dos figurinos, definem a principal pergunta do texto: qual seria a melhor postura diante da vida? No final entram em cena Capetinha e Anjinho, cada um acolhido por uma aldeia. E o jogo do elemento surpresa subvertendo a ordem se arma. A principal virtude do texto simples no conteúdo, com que Karen fala direto ao público, é a esperteza na explosão da sonoridade das palavras. Tanto que 21 passagens do espetáculo são feitas pelas belíssimas canções – o ponto alto da montagem – que juntam as letras da autora com as melodias e harmonias de Tim Rescala,em seu primeiro trabalho de composição para teatro infantil. Nelas há de tudo: humor, inteligência e paixão.
Outro destaque escancarado pra lá foi a atuação de todo elenco. Os Visigodos não tem papéis principais. Dá é a chance pra quem estiver no palco brilhar. E quem está no palco sabe o suficiente pra não perder a chance.
Janser Barreto está apenas perfeito. Drica Moraes – indicada para o Mambembe da temporada passada pela atuação em De Repente… no Recreio – atingiu a maturidade em Os Visigodos.
Ernesto Piccolo e Cássia Fourreaux jogam mais pro time. Não chamam tanto a atenção. Mas talvez estejam soberanos na peça como dominadores dos personagens. Apenas Bia Junqueira não brilha tanto. Palidez, entretanto, tão discreta, que se Bia não estivesse ao lado daquelas cinco feras isso não pareceria falha.
O coro, formado por cinco atores, canta e dança bem e principalmente enche o palco sempre com inteligência cênica. Ponto pra direção também assinada pela autora. E as duas crianças, Tatiana Issa e Frederico Mayrink, já podem comer sozinhas. A luz de Aurélio de Simone é simples, avessa a detalhes, mais preocupada em criar climas.
Companheira perfeita para os figurinos de Paula Acioly na construção de um ambiente de puro e forte, encantamento. Os cenários de Américo Issa é que parecem preguiçosos: funcionam, mas não chegam tão alto quanto a música, as atuações, a direção, e o impacto visual.
Ah, sim. O coelho anda errado na cena do duelo de circo. Longa. Mas logo volta pra cartola certa, na guerra de travesseiros. E a peça retoma o rítimo, preciso como o que se fez nas florestas de lá, quente como o que rola nas praias daqui.