Ricardo Santos (de bigode), Marcello Caridad e Nilvan Santos: trio afinado

Crítica publicada em O Globo – Rio Show
Por Mànya Millen – Rio de Janeiro – 13.11.1994

Barra

Boa diversão com sotaque caipira

A escritora Teresa Frota sempre deixou de lado as adaptações de histórias infantis para seguir caminho elaborando seus próprios (e ótimos) textos. Do conhecido e várias vezes recontado repertório de clássicos infantis, ela extrai apenas alguns elemento – chaves para comunicar-se com seu jovem público. Já usou reis, rainhas, sereias e até duendes para falar de ecologia com inteligência e de crescimento interior com sabedoria. Em Viravez, o Cortês, sua mais recente produção em cartaz no Gláucio Gill, Teresa recorre à riqueza do universo matuto, caipira, para contar uma fábula sobre o valor da amizade e do trabalho verdadeiros.

Para isso, usa como inspiração a figura do arteiro e popular Saci Pererê (Arildo Figueiredo, em bom desempenho). Teresa, dirigida pelo marido Henri Pagnoncelli, está à vontade como a resmungona Inácia, mulher do gentil Viravéz (Flávio Antônio). Este, um dia, encontra um saci, lenda maior de um Brasil malandrinho, que gosta de levar vantagem em tudo. O moleque torna-se seu amigo e lhe oferece o paraíso: colheita boa na roça sem precisar mover palha, muito menos enxada. Com a condição de que mantenha tudo em segredo e reparta a fartura com os vizinhos. Tudo caminha dentro dos conformes até que a cobiça alheia começa a causar problemas na vida de Viravez.

Os melhores e mais engraçados momentos ficam com o trio de irmãos interesseiros e interessados na suposta fortuna de Viravez, Marcolino, Vivaldino e Felismino, interpretados respectivamente por Nilvan Santos, Ricardo Santos e Marcello Caridade, são hilariantes e irresistíveis vilões (reforçados pelos figurinos debochados criados também por Teresa Frota). Jacyan Castilho, como Santusa, a solteirona invejosa, também se destaca na peça, que é pontuada pelas belas músicas de Caíque Botkay e Renato Icarahy.

Curiosamente, o elo mais frágil da peça é o personagem principal, que esvazia-se nas mãos de Flávio Antônio. Ele faz de Viravez, um matutão por excelência, desfilar pelo palco com uma postura demasiadamente cool. Falta a ele mais humor, expressão corporal e a vivacidade que sobra no trio próximo. Porém  e felizmente, a interpretação não chega a comprometer a peça, um dos espetáculos mais divertidos da temporada.