Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Mànya Millen – Rio de Janeiro – 13.08.2000
O cenário é uma estação de trem e o texto é um convite. Um convite para embarcar numa aventura mágica e envolvente que teoricamente, e apenas teoricamente, tem hora para começar e terminar. Porque ao final do belíssimo musical Den-Bau, em cartaz no Teatro Villa-Lobos, o espectador não se sente abandonado numa gare inóspita, sem ter o que carregar de bom em sua bagagem. Consigo ele sai levando não apenas uma peça de apurado bom gosto e sofisticação sonora e visual, mas também uma breve lição – não “mensagem”, gente, não “mensagem” – sobre as surpresas que nos esperam a cada estação da vida.
Essa “viagem” que cada um já fez, está fazendo ou ainda vai fazer, é contada de forma primorosa no palco graças á parceria afinada de vários talentos. Para começar, o espetáculo traz a excelência da marca musical de Agnes Moço, premiada por, entre outros trabalhos, Contos e Cantigas Populares, que fez ao lado do ator e diretor Marcelo Mello, aqui de novo seu parceiro na concepção do conjunto e assinando o comando impecável da direção artística.
Responsável pela direção musical, Agnes, também no palco como atriz, comanda o curso de musicalização que formou ou está formando muitos dos 31 atores-cantores em cena. Entre eles está a talentosa Chiara Santoro, dona de uma voz límpida e poderosa, vivendo Morena, a jovem que embarca no trem sem destino certo, para descobrir e viver a vida.
É Morena quem guia o olhar e a imaginação do espectador, atravessando paisagens que têm um ar de sonho, mas que são facilmente reconhecíveis em seus sotaques, cores e festas como o coração do Brasil. Morena se detém em muitas estações, bonitas alegorias de ritos de passagem, mostrando que às vezes o melhor é fugir, outras encarar, e outras apenas observar da janela. Nessa sua viagem ela encontra tipos engraçados ou assustadores, delineados com precisão, humor e poesia pelo texto de Douglas Dwight e Fátima Valença (de Dolores), irretocável.
Não se trata de um mero texto-pretexto para as 23 músicas (chorinhos, cirandas, frevos, Villa-Lobos, Noel Rosa, Caymmi ou Camargo Guarnieri, autor da música-título, Den-Bau). Nada no espetáculo, aliás, tem jeito de estepe. As soluções cenográficas assinadas por Ney Madeira (autor dos figurinos e adereços) são de uma brilhante simplicidade,
adequadamente alegre e evocativa, como o trem que corre nos trilhos como uma cortina. E Paulo César Medeiros usa a luz como delicada pontuação das cenas. Um show. No elenco, são muitos e bons os atores em cena, valendo destacar o trabalho de Marcelo Mello, Bruno Miguel, José Antônio Carnevale e as irmãs Carolina e Cris Futuro. Este é, enfim, um daqueles espetáculos do qual não se sai como entrou.
Com as mãos, coração e memória impregnados pela magia alegre do palco, o público só tem vontade de voltar a embarcar nessa viagem.