Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 13.04.1975
As nossas cidades cinzas
As cidades estão ficando cinzentas. O progresso ameaça as cores e elas fogem. Sem cor, as cidades ficam tristes, as pessoas ficam esquisitas, diferentes. Se as cores fugiram, é preciso fazer com que elas voltem. É mais importante desenhar num muro do que ter uma cidade cinza. A partir desta ideia bastante feliz, a autora Marilda Kobachuk tenta desenvolver sua peça Criançando, mas nem sempre consegue atingir seus objetivos. O texto procura jogar sua ideia básica principalmente através da expressividade dos bonecos, e isso é bom; mas, ao mesmo tempo, Marilda Kobachuk deixa de lado a carpintaria teatral, fazendo com que o texto se disperse demasiadamente. A peça, por falta de maior estrutura técnica, corre lenta, descosida. Isso faz com que haja um certo desinteresse na medida em que a história (a procura das cores que resolveram fugir) não segue uma linha de desenvolvimento preciso.
A direção de Manoel Kobachuk caiu na armadilha do texto: o espetáculo também se desenvolve através de uma ação que se dispersa muito. Mas a encenação – baseada na beleza e na ação expressiva dos bonecos – consegue ser bem mais rica e inventiva que o texto. Com exceção das cores e das nuvens, plasticamente mal resolvidas, todos ou outros elementos de cena são de muito bom gosto, trazem uma certa dose de humor (ver o Homem- Carro) e muita criatividade (o sinal, por exemplo). As cenas de rua – com destaque especial para o samba – são muito bem feitas, encantam e carregam muitos estímulos para a fantasia. Quando as cores fogem e a cidade fica cinza (notar as meias do Homem – Carro, que permanecem azuis!) seria de maior impacto se também os bonequinhos-protagonistas ficassem descoloridos.
Aliás, como a ausência de cor é o preto (e não o cinza ou o branco, como nos espetáculos) talvez houvesse ainda maior expressividade no seu uso, principalmente se pensarmos nas inúmeras possibilidades de contraste com os telões brancos.
A música de Joel Siqueira não se identifica muito com a encenação e funciona como uma “quebra” no desenvolvimento. Além do mais, ela força uma articulação, ela força uma articulação demasiadamente rápida das palavras e o público não consegue compreender bem as letras.
O elenco – formado por Benedito Ribeiro, Sueli, Neca, Júlia Guedes, João Siqueira, Manoel Kobachuk e Marilda Kobachuk – funciona muito mais como manipuladores que como atores propriamente dito. Mas, como o forte do espetáculo é exatamente o trabalho com os bonecos a participação do elenco é positiva.
Criançando, que estreou na Casa Grande, é uma peça cujo texto carece de uma boa estrutura, o que reflete no desenvolvimento da montagem; mas é também e principalmente, um espetáculo visual muito bem cuidado, com os bonecos participando com muita expressividade e deixando, nas crianças, um sopro de poesia sobre a dura luta que os adultos travam para a feitura de um mundo um pouco mais colorido.
Recomendações:
Com pequenas restrições: Você Tem um Caleidoscópio?, A Viagem do Barquinho e A Varinha do Faz de Conta; Criançando.