Walderez de Barros, Maria Pompeu e Vera Mancini em Nossa Cidade

Critica publicada na Tribuna da Imprensa – Boca de Cena
Por Ida Flores – Rio de Janeiro – 1989

Barra

Um sutil jogo cartesiano

Thornton Wilder (1897-1975) descobriu, em 1938, o ovo de Colombo ao apresentar, singelamente, uma radiografia da sociedade em que vivia, em New Hampshire, nos EUA. Afora algumas idiossincrasias de uma sociedade puritana, Nossa cidade, a peça que escreveu, e que o Grupo Tapa está apresentando no Teatro Nelson Rodrigues, pode representar qualquer cidade do mundo ocidental com menos de 40 mil habitantes. Na verdade, a fictícia cidadezinha de Grover´s Córner, batizada no Brasil com o nome de Pires Camargo, possuía, nos anos em que a ação transcorre, pouco mais de 11 mil habitantes.

É dentro deste universo restrito que o autor desenvolve a sua história. A narrativa é dividida em três movimentos e um epílogo. No primeiro movimento, o diretor de cena apresenta os notáveis da cidade, como o professor de Geografia, o especialista em assuntos de Política e Sociologia, e as duas famílias nas quais a ação se concentra, os Correia e os Toledo. O segundo movimento apresenta a vida da cidade, decorridos três anos e o terceiro, intitulado Feitos um para o outro, o nascimento do amor.

É no epílogo que o autor dá seu fecho de mestre. É o poeta falando, ao narrar a vida, e os sentimentos depois da vida. Aliás, estes sentimentos estão mobilizando o teatro carioca (e também o paulista) nos últimos tempos, vide Fica comigo esta noite A partilha, só para citar alguns. Em Nossa Cidade, a morte arranca lágrimas, não risos.

Traduzido por Elsie Lessa, adaptado e dirigido por Eduardo Tolentino, Nossa cidade é um espetáculo enxuto, na melhor tradição teatral, marca registrada do grupo que o montou. É bom ver teatro bem feito, com excelente acabamento, que a iluminação de Wagner Freire destaca e os figurinos de Lola Tolentino confirmam.

“Existe alguma coisa profunda e eterna, em todos os seres humanos”, observa o diretor de cena. Palavras do autor? Da profunda observação da vida do dia-a-dia, Thornton Wilder nos deu seu poema maior. Talvez, pelo verdadeiro exercício da cena que proporciona, tornou-se o preferido dos estudantes. Sua estrutura, cenas isoladas, densas e de curta duração, dão ensejo a grandes interpretações. O elenco da presente montagem não se fez de rogado. Walderez de Barros e Vera Mancini, no papel das mães, parecem ter nascido e casado em Pires Camargo. Brian Penido (Jorge) tem oportunidade de detalhar seu personagem, em vários tons e sutilezas. Clara Carvalho e a jovem Emília (Emily) são os responsáveis pelas lágrimas que rolam dos olhos de 50% da comovida plateia. Mário Cezar Camargo é um dos “notáveis”, o sr. Carlos Toledo, que explica as motivações culturais da cidade, dizendo que todos gostam muito do Danúbio Azul e se comovem com Os três mosqueteiros. Impagável. Humberto Magnani transmite sua verdade, interpretando o dr. Francisco. Os demais personagens de cidade, o leiteiro, o entregador de jornal, o policial, o maestro bêbado, todos têm seu desempenho norteado pelo xadrez cartesiano do jogo que o excelente Ênio Gonçalves, o diretor de cena, propõe.