Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 09.05.1987
As exigências da ficção
A história que está no Saruê Astronauta, de Arnaldo Niskler (Nova Fronteira, 1987) tem inspiração num fato real: ele o confessa na apresentação do livro, transformado em peça teatral que está em cartaz no Teatro Tereza Rachel. O passo do fato à ficção é árduo mais ainda quando insere uma reflexão que tange o problema da preservação ecológica. Os impasses da narrativa estão presos a estes pontos de difícil articulação. A ficção tem exigências que o documento dispensa e a educação ambiental, como proposta, toma outros desvios.
Assim o Saruê, bicho em extinção no Nordeste, é a vítima, de fato, de episódio presenciado pelo autor, em que a perseguição que lhe move um grupo de crianças à porta do zoológico termina com atropelamento. Do ponto de vista da
conservação da natureza, a ocorrência inspirou uma narrativa que transforma o Saruê em arauto da liberdade a qualquer preço. Preso nas jaulas do jardim da cidade, ele faz campanha pela fuga, em meio a muitas advertências de perigo. E de modo surpreendente, aqui também “o castigo anda a cavalo”: apenas pula a cerca, ele morre.
Como o discurso pretendido é o de liberdade, o efeito da sequência acaba neutralizado e corta a identificação com o herói. A sensibilidade do autor/educador procura encaminhar o problema posto pelo narrador com “uma outra
vida”, o Saruê, nas nuvens, feito astronauta, no melhor estilo dos “anjos” perdoando o mal que lhe fizeram, antes de entrar nos céus. Na terra, os bichos do Zôo, reunidos em conselho, resolvem anistiar os meninos, pois “não se
constrói nada na base de violência”.
Se a meta pedagógica é atingida, do ponto de vista literário, os ruídos permanecem, a menos que o parâmetro seja o do livro infantil tomado como instrumento educativo, nos moldes tradicionais em que a ética prevalece sobre a estética. O esquema de fábula moral, presente no primeiro livro do autor, tenta escapar pela sátira, alijada desta nova obra, pelo motivo inspirador.
A adaptação de José Roberto Mendes escolhe não acentuar o maniqueísmo e busca nos cenários de Gualba Peçanha e no apelo musical de Tom Bahia e Fernando Louro o clima de possível catarse do público infantil. A jovem atriz Beatriz Barros, que faz a Siriema, tem bonita voz, como sugere a personagem: os figurinos de Maria Carmem ajudam delinear o perfil das personagens. Embora os jovens atores venham amadurecendo sua experiência de palco, a acústica do teatro Tereza Rachel dificulta muito a boa recepção das falas. O espetáculo é bem cuidado.
Para quem comprar o livro ou o disco, dá gosto reencontrar as ilustrações de Joselito, criador de personagens da Vida Infantil e Sesinho, revistas que fizeram histórias entre as crianças na década de 50. Seus traços e cores são inconfundíveis.