Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 02.08.1986
História e Histórias
Fora do circuito comercial há uma peça extremamente séria e bem montada, para crianças e jovens com alguma noção de história do Brasil. No Museu da Cidade, dentro do Parque da Gávea, aos sábados em duas sessões, e aos domingos em uma, está sendo apresentada pelo grupo Tempero um texto de Joel Rufino dos Santos, historiador, professor e escritor para crianças e jovens, consagrado desde os primórdios da Revista Recreio, quando começou a recontar os gregos e troianos.
Joel Rufino já colhera na história do Brasil as sementes de seu O Soldado que não Era (Moderna, São Paulo, 1980), que romanceia com enorme sabor a vida de nossa donzela guerreira, Maria Quitéria, heroína das guerras de Independência na Bahia. O grupo, por sua vez, que já tivera em 1985 uma experiência vitoriosa ao recriar o Baile da Independência, no Museu do Primeiro Reinado, encontrou no texto de Joel a matéria ideal para dar prosseguimento a essa proposta.
Este Rio tem cada História é uma sequência de três sketches – a morte de Estácio de Sá, aos pés de um tupinambá,
a vida de um casal de imigrantes portugueses cujo marido, feitor de escravos, vive o drama de matar para sobreviver, e finalmente, o Rio de Pereira Passos e a repulsa às medidas sanitárias de Oswaldo Cruz.
Isto, contudo, não está descosturado: a sutura é feita pela narração de D. Maria, a Louca, que volta à cena com os deserdados – índios, negros e artistas – para recontar a História em sua versão escamoteada.
Com sua fina argúcia e ironia, Joel Rufino articula em rápidos diálogos a ambiguidade das situações, as contradições dos discursos, as perspectivas controversas com que se pode escrever e ler histórias na História. Os conflitos
postos em cada quadro assinalam um momento decisivo da história do Rio, onde o clímax dramático é extremamente bem contornado pelo grotesco de que a situação se reveste.