Crítica publicada no Jornal do Commercio
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 19.04.1997
Registro de momento significativo do teatro para crianças
O ano de 1948 é considerado o ano da fundação do Teatro Infantil no Brasil, feito profissionalmente e encenado para o grande público. Assim é considerado porque, neste ano, foi montado O Casaco Encantado, de Lúcia Benedetti. Em seu elenco estava Henriette Morineau no papel da bruxa. É histórico. Passados quase 30 trinta anos está de volta aos palcos, na Casa de Cultura Laura Alvim, produzido por Rosa Magalhães, filha de Lúcia Benedetti.
O espetáculo, que tem a direção de Ivone Hoffmann, é convencional, linear, sem grandes voos de inventividade. Soa às vezes um pouco antigo, numa concepção que não acompanha a evolução do teatro para crianças, principalmente no Rio de Janeiro. O próprio texto de Lúcia Benedetti é importante pelo que representou para a dramaturgia do seguimento, a partir de uma perspectiva histórica.
Conta-se sobre dois alfaiates que mancharam o casaco preferido do Rei e foram obrigados a confeccionar outro, às pressas. Nesse meio tempo surge um mago que enfeitiça o casaco, fazendo quem o usa pular alucinadamente. E dessa forma segue a história sem grandes reviravoltas, nem ganchos ou surpresas, incluindo uma ida à casa do mago, que é casado com uma bruxa, até que os quiproquós se resolvem e tudo termina bem.
A direção de Ivone Hoffmann é convencional, assim como os cenários e figurinos de Rosa Magalhães que, a não ser pela inventiva floresta, seguem uma linha quase conservadora, até mesmo na utilização do saudoso pano de boca de cena, dos painéis que descem e que deslocam o espetáculo para o proscênio.
Fica claro (não para o grande público) que é uma reconstrução de um espetáculo historicamente importante e que propositalmente se mantém este tom; o que se discute é: não sendo exatamente uma reconstituição histórica, um resgate de gênero e/ou estilo, a reedição desta estética é produtiva?
A história se desenvolve de forma simples, mas, bastante clara para seus espectadores. É uma encenação preocupada com seu público; este, no entanto, não se mantém nem muito atento, nem muito envolvido, talvez pelo excesso de comportamento que não instiga nem emociona.
Do elenco destaca-se Emilia Rey que no papel que foi de Mme. Morineau empresta seus recursos histriônicos de atriz ao personagem, conseguindo uma comunicação significativa com as crianças. Jaime Leibovitch faz um Rei, que parece um primeiro ministro; Daniela Duarte, uma convencional princesinha e Eli Mendes um ministro, que lembra um agente secreto. Os dois alfaiates não têm recursos, como atores, para segurar o espetáculo, como deveriam. Leonardo Neto faz um estranho mágico, pouco convincente.
A sempre criativa iluminação do vencedor do prêmio de Melhor iluminador de 1996, Renato Machado, não encontra, aqui, o mesmo brilho e também cai no convencional.
A remontagem de clássicos, principalmente os historicamente importantes, como é o caso deste texto, requer, com certeza um cuidado mais que especial, muito maior do que qualquer montagem comum. É necessário ter uma visão histórica do texto, do espetáculo, se manter fiel às gênesis deste espetáculo, sem perder o compromisso com a contemporaneidade e sem ceder, no entanto, a nenhum modismo cênico, com certeza. É uma árdua tarefa.
No caso presente fica a homenagem a uma autora importante, o registro histórico de um fato teatral, e a possibilidade de, retornando-se ao ponto de partida, se refletir sobre o Teatro Infantil na cena brasileira, hoje.