Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Rita Kauffman – Rio de Janeiro – 1984
Um Pinóquio malcriado afronta o falso “bom comportamento”
Pinóquio, com o Grupo Tapa, dirigido por Eduardo Tolentino e em cartaz no Teatro dos Quatro (Shopping da Gávea) é, sem dúvida, o melhor espetáculo que estreou em 1984. A começar pela interessante exposição internacional de desenhos infantis sobre “Pinóquio hoje”, que o grupo apresenta tanto no teatro como nos corredores do shopping, estão presentes em tudo o apuro e a seriedade, interligados com muito talento, marca registrada do Tapa. A adaptação de obra de Collodi, feita por Eduardo Tolentino e Renato Icarahy, é muito interessante e mostra um Pinóquio fiel ao seu original diametralmente oposto ao de Disney e muito mais próximo das crianças: ele é um boneco interesseiro, malcriado e egoísta, afrontando o “bom comportamento” que se baseia nas aparências e fazendo, em geral, o que lhe dita a vontade. Suas atitudes o levam a uma série de aventuras e a uma melhor compreensão do comportamento humano: ressaltam-se na sociedade os seus aspectos de instituição falsa, mesquinha, preconceituosa e castradora.
A direção de Eduardo Tolentino é segura e eficiente, os atores têm um desempenho muito bom, mas seria injusto não destacar a atuação de Clarice Derzié/Pinóquio, que dá uma bela lição de interpretação e de fôlego, imprimindo ritmo ao espetáculo: os figurinos de Lola Tolentino são eficientes e sutilmente críticos: o gato/padre e a raposa/bispo são verdadeiros achados. As músicas de Francis Hime, com letras de Renato Icahary, funcionam bem. E é pena que tenha faltado ao elenco melhor preparação vocal, na época da estreia. O cenário de Ricardo Ferreira é eficiente; merecem destaque o fantástico Teatro de Bonecos, as máscaras e adereços do cenário, concebidos por Olinto Mendes de Sá, a cena do enforcamento, a bela aparição da baleia e o desmascaramento final do elenco, evidenciando com muita emoção o eterno jogo do ator/personagem.
A parte negativa do espetáculo fica por conta do comportamento inadequado da plateia, formada até por crianças de colo. Mas um espetáculo consistente sobrevive muito bem, até em situações constrangedoras. É o caso de Pinóquio que merece ser visto e devidamente apreciado.