Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Macksen Luiz – Rio de Janeiro –  1985

Barra

Em cena, os maus hábitos políticos

Caiu o Ministério é o segundo texto do interessante projeto do grupo TAPA que faz uma avaliação do teatro brasileiro do século XIX. Depois de O Noviço, de Martins Pena, é a vez de França Júnior (1838 – 1890) que poderia ser considerado um continuador do dramaturgo que introduziu o teatro de costumes no Brasil. França, ao contrário de Pena, no entanto, demonstra uma maior vocação para espicaçar os meus hábitos brasileiros, especialmente os políticos. É do que trata esse Caiu o Ministério. Entre ingênua trama amorosa circula o tráfego de influências que faz da prática política neste país uma triste sucessão de conluios e compadrios. Essa atualidade que a história política do Brasil não abandona é desenhada com traços quase borrados, para não deixar qualquer dúvida sobre o que (e de quem) se está falando. O quadro que França fixa no palco é extremamente acurado na captação dos tipos e personagens que perambulavam pela Rua do Ouvidor – o centro de efervescência política da cidade, um corredor, como o do Congresso atual, apenas um pouco mais mundano – para saber das últimas inconfidências e boatos da Corte. Ministros venais, estrangeiros espertos (personagem do inglês com sua fantástica “sistema cinófero”, um caminho de ferro do Cosme Velho ao Corcovado movido a cachorros), pequenos funcionários em busca de nomeação, favoritismos e tantas figuras e comportamentos que nos soam tão contemporâneos estão presentes nesta peça que sobrevive tanto tempo (foi escrita em 1881) não só por flagrar essa permanência de hábitos políticos, mas também por ser certeira no alcance de suas críticas.

França Junior sofre do mal dos autores da época: excesso de fatos que se arrumam no final, harmoniosamente, e com ajuda de fatores externos. A necessidade de conter seu humor mais cáustico nos limites do bom tom vigente, impede que algumas cenas e personagens se desenvolvam mais livremente. De qualquer forma, nota-se o recurso bastante sofisticado para o período dos diálogos paralelos e predisposição a tratar, até de maneira impiedosa, certos personagens.

O diretor Celso Lemos, sem abandonar a concepção estilística do espetáculo anterior, no qual gestos largos, exageros e ênfases marcavam a trajetória do noviço, depura bem mais o tratamento da história de França Júnior. A começar por uma distribuição coreográfica do numeroso elenco no palco, compondo a cena com elegância (é de bom impacto o quadro inicial da Rua do Ouvidor) e com achados cômicos. O gesto maneiroso do jovem Monteirinho, interrompido pelos outros personagens com batidas de pé no chão, consegue efeito de palco da maior eficiência, da mesma forma que proceda a uma crítica feroz ao beletrismo e ao vazio bacharelato de aparências. A atitude colonizada da jovem Beatriz está marcada por inflexões que foram pedidas emprestadas à juventude que nos é bastante familiar. São brincadeiras, jogos teatrais, truques que cumprem, plenamente, a função de uma montagem dirigida ao público juvenil – está integrada ao Projeto Escola do grupo Tapa -, mas que respeita o valor intrínseco do texto, sem criar grandes pirotecnias de linguagem. Afinal, o propósito é apresentar ao jovem a dramaturgia do século passado.

Os cenários e adereços de Ricardo Ferreira e Olinto Mendes de Sá ainda que pouco ambiciosos, por necessidade de economia e de transporte, são extremamente envolventes na sua simplicidade. O da Rua do Ouvidor consegue colorir o palco com poucos, mas eficientes elementos. Os figurinos de Lola Tolentino têm a correção e a teatralidade necessárias. A iluminação de Wagner Pinto não apela para grandes invencionices e só resvala na cena em que D. Bárbara dá a receita contra o mau-olhado.

Do elenco, todo ele muito empenhado e visivelmente integrado à proposta da montagem, sobressaem o espírito de comicidade de caricatura de Vera Holtz e de Jorge Bueno, a divertida composição de Brian Penido, o humor inteligente de Denise Weinberg e o ingênuo de Renato Icarahy, a experiência de Cláudio Gaia, o tipo bem construído de Susanna Kruger, a nitidez de elaboração de Teresa Frota e o à-vontade de Henri Pagnocelli.