Atores fantasiados de vegetais: lições alimentares e elementares demais para a criançada


Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 11.06.2006

 

 

 

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Teatro perde para o mero didatismo 

Um dos mais sérios equívocos de quem apresenta espetáculo para crianças é confundir teatro, obra de arte, com “educação”. Certamente essa não é a função do teatro. É função da escola, da família. E para isso usa-se palestras, cursos, mas não espetáculos.

O teatro tem a função, como obra de arte, de fazer o espectador repensar o mundo e a si mesmo, descobrir universos, sensibilizar-se diante da arte, da vida, da realidade. Quando nos utilizamos do teatro para ensinar, estamos tornando, esta arte, algo menor.

E quando se argumenta sobre o caráter “ensinante” destes espetáculos, os criadores imediatamente buscam apoio em Bertolot Brecht. Mas teatro do alemão, como teatro didático, tem uma acepção muito mais ampla. Permite que o espectador desenvolva seu caráter crítico; através do distanciamento da obra, faz com que ele seja capaz de perceber a realidade de outra forma, ampliando sua compreensão, sua capacidade de pensar, aprendendo sobre si mesmo e o mundo, numa visão que envolve aspectos políticos e sociais. Não se pode chamar didático, dentro da concepção brechtniana, um espetáculo que, em vez de fazer pensar,  ensina regras de higiene. É por demais ingênuo.

Se formos ao Pequeno Organón de Brecht, lá está, textualmente: Nem sequer se deverá exigir ao teatro que ensine… E nem mesmo se pode usar a favor de Um Dois Feijão com Arroz o fato de haver diferenças semânticas entre ensino, didática, pedagogia, em suas diversas acepções. A peça, não tendo nada a dizer de essencial à criança, prefere se preocupar com a educação infantil, com o conteúdo didático do texto e das músicas falando da importância da boa alimentação e da higiene para a saúde.

A ação dramática é reduzida à história de uma criança que come muitos doces, estraga os dentes e tem medo do dentista. Surge em cena a Dra. Cárie. Outra criança não gosta de se alimentar bem e surge em cena a Dra. Doença. Junto a essas figuras veem brócolis, cenouras, legumes, frutas, feitos personagens, no melhor estilo de figurinos de espuma, tudo embalado um esquema de superprodução, porque o espetáculo, sem um grande aparato em torno, não se sustenta.

Os pais, já entenderam que uma peça de teatro é uma obra de arte e não um momento para ensinar bons hábitos. Às crianças, de quem é retirado o direito de assistir a uma encenação mobilizadora, só lhes resta passar a não gostar de teatro de maneira geral.

Na verdade, cientes da dificuldade de a história prender a atenção dos pequeninos, pois não há conflito e sim desobediência ao bom comportamento, música e dança entram para suprir o vazio e prender de algum modo a atenção das crianças.

O trabalho musical é o que de melhor há no espetáculo, que tem composição e direção musical de Allison Ambrozio, embora as letras deem seguimento à ingrata tarefa de ensinar no palco. O texto é de Cláudio Figueira, que se propôs a criar assumidamente a criar um espetáculo didático. Os pais, desavisados, acabam até achando que isso é bom para a criança, o que, numa análise mais detida, sabe-se ser até contraproducente, se entendemos o processo pedagógico de forma mais ampla e competente. É a questão errada no lugar errado. A direção é de Carlos Thiré e Cláudio Figueira; os figurinos, de Marcelo Oliveira; o cenário de Clívia Cohen e a iluminação de Eduardo Salino.