Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 03.03.2006
Perdidos na natureza
Trama paralela prejudica história de dois índios em Como a Lua
Quando se abre a cena de Como a Lua, em cartaz no Teatro Leblon, as primeiras imagens prometem um espetáculo lírico, e plasticamente agradável, porém, no decorrer da apresentação, dirigida por Afonso Drumond, revelam-se alguns problemas. O texto de Vladimir Capela que recebeu prêmios da APCA e Mambembe segue a árdua trilha que surpreendentemente, costuma atrair os dramaturgos: duas histórias ao mesmo tempo.
No caso da montagem de Como a Lua, acaba-se tendo no palco dois espetáculos. Um que conta a história de dois índios; outro que traz flashes de situações análogas ocorridas na cidade. As duas narrativas não se complementam nem se opõem. E, no final, a bela história proposta para os dois indígenas não se dá plenamente em cena.
Quando o espetáculo põe em cena os dois protagonistas, é realmente agradável e lírico, mas há intervenções que utilizam figurinos absolutamente equivocados – como os bichos da floresta – a esta estética equivocada se associa uma interpretação em tom tatibitati. No segmento onde ocorrem cenas da cidade, por exemplo, há um diálogo sobre como nascem os bebês, que retrata as crianças de forma infantilizada. O público reage e um menino chegou a dizer para a mãe: “Até agora estou achando muito chato”.
O mundo real que o espetáculo busca captar não corresponde ao que vive uma criança hoje, e o mundo da imaginação, onde a trama poderia deslanchar, fica prejudicado pelas cenas da atualidade que interferem, entrecortando a narrativa. O cenário, assinado também pelo diretor, é essencial e funcional – painéis móveis mudam o ambiente da floresta para o ambiente da cidade. Mas a luz de Jorginho de Carvalho provoca reflexos nos painéis, impedindo que se tenha uma visão clara deles e que produzam o efeito esperado.
O jovem elenco é frágil para compor personagens tão sutis e fortes ao mesmo tempo, como Payá e Colom. Henrique Lopes, que faz Payá, carece de força para fazer o personagem central – herói denso, com destino trágico e lírico, que deseja o amor de Colom, que o despreza e que acaba indo embora com outro índio guerreiro. Igualmente frágil é a atuação de Soraya Kharfan, que interpreta Colom. No entanto são os atores, que se saem melhor.
A direção musical traz belas canções cantadas ao vivo com uma trilha-guia gravada, o que não auxilia a proposta de retratar a natureza em que vivem os dois personagens centrais. Como a Lua busca trabalhar com muitos universos – o universo naturalista, tomando Payá, como símbolo do “bom selvagem”; o paralelo urbano, mostrando que este tipo de homem subsiste na cidade. Além de insinuar relações por meio dos nomes, como Payá (palhaço) e Colom (colombina).
Tantos signos fortes trabalhados concomitantemente não conseguem construir uma encenação harmônica e acabam por se anular mutuamente. De modo que a história do amor impossível – cuja a trajetória é Como a Lua, que nasce, cresce e morre – , que mostra a natureza de um homem lírico, mas que não sabe lidar com o real, é depreendida pelo adulto mas não pela criança.
Isso evidencia dificuldade da direção de colocar em cena, de modo claro, para seu público-alvo, o universo criado por Vladimir Capella, que se impôs uma difícil tarefa, mas que, mesmo assim, se tornaria viável, sob uma direção mais efetiva.