O Universo sertanejo dos bonecos ganha boa tradução do elenco


Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 28.01.2006

 

Barra

Mamulengos modernos

Charme de texto de Suassuna supera erros de montagem

Comédia do Coração
 é o espetáculo dirigido por Marcus Vinicius Faustini, que reabre agora o horário infantil do Espaço Cultural Sérgio Porto. Faustini coloca em cena Torturas de um Coração, de Ariano Suassuna. O grande mérito do espetáculo é trazer uma proposta cênica definida e consciente do diretor. Não é um espetáculo construído aleatoriamente. Há uma sólida intenção artística conduzindo a encenação.

O mamulengo, teatro popular de bonecos de Pernambuco, trabalha com os tipos que compõem a sociedade local, com uma contundente crítica social. Dentre estes personagens, Benedito é um dos mais populares – negro, esperto, arma grandes confusões geralmente para tirar partido delas. E é em torno das peripécias deste anti-herói brasileiro que a história transcorre.

Na cidade de Taperoá, Marieta “tortura” os corações dos homens, provocando uma acirrada disputa pelo seu amor. O malandro Benedito dá a ela, como se fossem seus,  presentes enviados por Cabo 70 e Vicentão. A fim de se destacar diante da amada por coragem maior que a alardeada pelos rivais, amedronta-os sob o disfarce de assombração. Mas, na hora de ficar com Marieta, ela  já está apaixonada por outro.

Faustini trabalha com a linguagem do teatro de rua, do palhaço do circo de lona da cidade do interior, resgatando uma estética eminentemente popular. O diretor busca também uma interface com o urbano e coloca em cena um carro, cenário assinado por Fernando Mello da Costa, que funciona muito bem por sua plasticidade. Nestas referências ao universo urbano, o espetáculo, entretanto, perde alguns momentos seu foco e o tom encantatório de Suassuna.

Além disso, há um desnecessário maneirismo feminino dos atores – só há homens em cena – , que parece ali estar em  busca do riso da plateia. Nessa mesma linha, alguns personagens excessivamente caricatos. O espetáculo, adaptando-se ao novo espaço, parece ainda buscar o seu equilíbrio. Mas é um trabalho que não necessita de nenhum truque para prender a atenção do público.

Os figurinos de Lorena Sender, feitos de sucata variada, reforçam o tom popular e remete às populações mais pobres da periferia. A iluminação de Anderson Barnabé é correta e a direção musical de Luciano Pozino cria, com simplicidade, uma trilha fiel à proposta do espetáculo.

Francisco Salgado lidera o elenco, vivendo Benedito com desenvoltura, verdade e presença cênica, catalisando a atenção do publico. Alexandre Damascena vive Vicentão com bastante verdade, embora por vezes não se entenda bem as falas do personagem. Neris Cavalcanti faz um excelente Cabo Setenta. Já o Afonso Gostoso de Pedro Anton tem uma construção confusa e assim o personagem perde força e sua caracterização não é adequada nem ao personagem nem à encenação. Anderson Barnabé faz Marieta, com todos os trejeitos caricatos de um homem que faz o papel de uma mulher, o que não corresponde ao imaginário popular da mulher que tortura corações, e desvia, assim, o personagem, da essência feminina e sedutora que representa.