Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 02.07.2005
Interação sem histeria
Atores e público brincam juntos na criativa Uma História para Calibã
Num momento em que tanto se fala de espetáculos interativos, Uma História para Calibã promove, no Teatro dos Quatro, na Gávea, a interação entre público e espetáculo de modo inteligente e espontâneo. Quase em coautoria, a criança dialoga com a peça e participa do processo de criação do personagem Calibã, que tenta escrever suas próprias aventuras, já que seu dramaturgo abandonou a tarefa. Na trama, concebida por Marilu Alvarez, Calibã e a amiga Maíra buscam também uma trama para desenvolver.
Nesta tentativa, Calibã ora é rei, ora é menino, ora é herói – tudo é possível no mundo da imaginação. Mas é difícil para Calibã e Maíra abandonar a história que o dramaturgo havia iniciado para escrever uma própria, que dê rumo às suas vidas. Como se vê, trata-se de um texto inteligente e metafórico, apesar de, sua aparente simplicidade.
A encenação de Beto Brown usa o humor na dosagem certa, com momentos estratégicos de “respiração” para o texto. Por meio de brincadeiras, jogos infantis e música, ele coloca o tempo narrativo a favor do espetáculo, criando um ritmo preciso para as cenas, que se interligam com coesão.
Percussionistas do Afro-Reggae, Toni Menezes e Wagner Rufino passeiam pelo samba e o funk batidão. A direção musical de Eduardo Lyra une as músicas à movimentação dos atores com excelentes resultados e há momentos em que o espetáculo se torna puro ritmo: cênico, físico, corporal, vocal, textual.
Dividem o palco Heitor Martinez e Juliana Martins, que dá o suporte que Heitor precisa para desenvolver com talento seu humor crítico, por vezes propositalmente caricato, mas sempre com uma forte cumplicidade com as crianças. E este acaba sendo o suporte mais consistente do espetáculo: atores e público brincando juntos no jogo do faz-de-conta do teatro.
O cenário de Beli Araújo é simples. Os figurinos, assinados por Karla Monteiro e utilizados pelos personagens que vão sendo criados por Calibã e Maíra, permanecem em cena, em manequins. Conforme a história vai sendo contada, os atores vão lançando mão deles. Ao fundo, um grande painel com imagens diversas de fragmentos de histórias e com personagens, chama a atenção. A luz, também de Beto Brown, é correta.
Uma História para Calibã apresenta uma leitura inteligente do que seja interatividade, aquela que estimula a participação ativa na criança, sem a ideia equivocada de necessidade de atividade física, gritaria ou excitação. Sem dúvida, é um espetáculo inteligente, sensível, criativo e provocador.