A bruxa Luciana Lorezze tem forte presença cênica mas os protagonistas Henrique Lima e Elisa Pinheiro abusam das expressões faciais


Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 12.02.2005

 

 

 

Barra

Muito barulho e pouca história

Nova versão de João e Maria, em Cartaz no Rio, serve apenas como pretexto para agitar a plateia

A história João e Maria, o conto de tradição oral recolhido pelos Irmãos Grimm, ganha mais uma adaptação para os palcos, desta vez em cartaz no Centro de Referência do Teatro Infantil Teatro do Jockey.

O reconto sempre foi uma das formas preferidas pelos autores teatrais que escrevem para criança. No entanto, é uma arte difícil, muitas vezes bem mais complexa do que a criação de um texto inédito. Os contos de tradição oral trazem algumas dificuldades para a adaptação teatral. Uma delas está ligada a uma das características básicas de tais narrativas: a de apresentar uma problemática simples desenvolvida em unidades narrativas que se repetem praticamente iguais entre elas.

Nesta adaptação de João e Maria, por diversas vezes os personagens se perdem na floresta, encontram o pai e retornam à casa – estas unidades se repetem exaustivamente durante dois terços do espetáculo. Só nos últimos 15 minutos surge, repentinamente, a solução da história. As adaptações muitas vezes se preocupam apenas com a trama, se bem que aqui a preocupação maior seja com a “animação” do público. O cerne da história, que a faz atravessar os séculos, são exatamente as questões humanas que levantam; no caso de João e Maria, o dilema existencial do abandono – que nesta adaptação, na verdade, é camuflado. O texto do espetáculo leva o espectador a crer que os personagens se perdem na floresta por artimanhas de uma bruxa e não por um plano da madrasta, que deseja se ver livre deles por questões de sobrevivência.

Desde o início do espetáculo, a direção de Henrique Lima deixa claro que sua intenção primeira é a de divertir o público, independentemente da história que vai contar. Tanto que, na abertura, são cantadas cantigas de roda tradicionais que não têm relação com o enredo história, servem apenas para aquecer o público. No meio da encenação (no palco ao ar livre) são distribuídos pirulitos e assim vai se caracterizando uma animação de festas. Há momentos em que o tumulto de crianças em pé, excitadas, gritando e correndo atrás dos personagens é tão grande que torna difícil o entendimento do que está sendo contado no palco.
A criança se diverte no teatro por seu envolvimento com o espetáculo, a história contada, dentro de uma estrutura dramática que tem seus parâmetros para que se torne eficiente a comunicação. Sabemos que o pequeno espectador quer compreender o que se passa em cena, seguir a continuidade da ação, vivê-la com os personagens. A ação dramática se propõe a despertar uma disposição para a formulação de juízos de valor e alimentar uma possibilidade de transformação, o que, efetivamente, este espetáculo não provoca.

Em João e Maria, a excitação é a tônica do espetáculo que mostra como pode ser desvirtuado o conceito de participação; para isto seria necessário que houvesse um envolvimento total com a história, o que não ocorre. Os cenários da H20S e os figurinos de Lúcia Obara não mantêm a unidade; embora o cenário seja criativo. O início do espetáculo propõe uma linguagem que tem como referência a cultura popular nordestina. No entanto, a proposta acaba se perdendo no decorrer da apresentação.

Os protagonistas, Henrique Lima e Elisa Pinheiro, se utilizam excessivamente da expressão facial e do gesto ilustrativo, da voz infantilizada, numa composição estereotipada da criança. Luciana Lorezze, que faz a velha e a bruxa, tem forte presença cênica. Outra questão bastante séria é uma pretensa atualização do texto, falando de vídeo-cassetadas do Faustão, Rosinha e Garotinho. A atualização de um reconto se faz através de uma linguagem contemporânea. Estas referências pretensamente atualizadoras soam como corpo estranho ao texto.

A direção musical e as musicas de Gedivan Albuquerque, muitas vezes, não m têm relação estreita com a história. As crianças, gritam, “participam”, se levantam, andam pelo local, os pais descontraídos levam lanches para os pequenos, falam ao celular. O espetáculo teatral fica apenas como pretexto para um momento de animação infantil.