Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 23.04.2005
Hoje tem marmelada
Cia. do Gesto celebra o universo clown em montagem ágil e precisa
Cláun! Palhaços Mudos celebra os vinte anos da Cia. do Gesto, criada por Dácio Lima e agora sob a direção de Luiz Igrejas. Em cartaz no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana, o espetáculo não utiliza palavras e se baseia nos jogos dos clowns. Assim gags e cenas isoladas, sem um fio narrativo condutor, se sucedem. No entanto, a linearidade das situações e a falta de dinâmica da narrativa cênica tornam o espetáculo, por vezes, monótono, fazendo com que o público menor pergunte a todo o momento: “Já vai acabar?”
Os dois clowns são construídos a partir da personalidade do Augusto, o palhaço branco, prepotente e autoritário, que representa o poder, e de Tony, equivalente ao “clochard” francês, que é o perdedor, o que sofre nas mãos do Augusto (ou Clóvis). Claro que a plateia se identifica de pronto com o Tony e por ele torce. Segundo o cineasta Federico Fellini, esses dois personagens são o verso e o reverso do ser humano.
Os dois clowns são interpretados por duas atrizes, o que não é comum neste universo. Ana Carina faz o e Tânia Gollnick encarna o Tony de forma brilhante. Sua máscara e sua expressão corporal falam, enternecendo o público. Num trabalho primoroso, a atriz mantém o “estado” do clown ao longo de toda a apresentação.
A direção de Luís Igrejas é competente e evidencia domínio e conhecimento da linguagem ao colocar em cena, com extrema precisão, o universo do clown. Gestos limpos e movimentação ágil criam um desenho cênico orgânico que tem roteiro e trilha sonora de Dácio Lima.
Números de plateia são uma arma de dois gumes. Toda a sensibilidade e cuidado são essenciais, principalmente no trabalho com as crianças. Embora sedutores, os palhaços também assustam os pequeninos, e isso por vezes acaba acontecendo nesta peça. Por isso, a forma como tal intervenção se realiza é fundamental para que se estabeleça ou não a relação desejada.
Mas estes pequenos percalços não impedem que o público participe ativamente, rebelando-se contra o autoritarismo de Augusto e fazendo acontecer o universo do clown, em sua plenitude. A cenografia, sob a responsabilidade da Cia. do Gesto, traz o palco totalmente vazio, com apenas um biombo preto como elemento de cena. Quanto menos elementos em cena, mais necessário se torna o bom acabamento da “caixa preta do teatro”, que, no espetáculo em questão, poderia ter tido um melhor acabamento.
As atrizes têm figurinos escuros, adequados à proposta estética, que faz com que a máscara facial dos palhaços sobressaia de forma intensa. Assinados por Biza Vianna os figurinos formam um conjunto harmônico com o cenário e a luz. Dentro deste mesmo conceito, a luz branca cria uma identidade plástica e ilumina de forma diferenciada. Simples e eficiente, a iluminação é assinada por Jorginho de Carvalho.