Don Giovanni: história contada sobre o lendário personagem


Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 21.05.2004 

 

 

 

 

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Criança também gosta de ópera

Com direção inteligente e criativa Don Giovanni conquista a plateia

Convite para a criançada conhecer o universo da ópera, Don Giovanni é mais uma produção de qualidade da Cia de Teatro Artesanal, em cartaz no Teatro do Jockey. Baseado no libreto da ópera homônima de Mozart, a montagem conta a história do lendário personagem Don Juan e suas aventuras amorosas. O tema, em si, em que se discute ética e moral, talvez não esteja próximo do universo do público a que se destina. Mas a habilidade do adaptador Gustavo Bicalho faz com que o texto fique ao alcance dos espectadores de qualquer idade, de forma leve, sutil, criativa e inteligente.

Nilton Marques faz um divertido Leporello, esperto e trapalhão

Gustavo Bicalho transforma o personagem Don Giovanni em um colecionador de beijos. Ao tentar conquistar mais uma donzela, ele é descoberto pelo pai da jovem, o Comendador, que, em luta com o personagem-título, acaba morrendo. O herói foge e continua vivendo inúmeras aventuras. Inconformada, a filha do Comendador busca vingar a morte d o pai. Ao final, todos os que foram enganados pelo herói se unem para dar um basta  às suas aventuras, até que o próprio Comendador, já morto acaba levando Don Giovanni para o “outro mundo”.

Segundo o diretor, a proposta é remeter a montagem ao universo da ópera por meio da linguagem da farsa, a fim que de que a trama se torne acessível ao público a que se dirige. Como os atores dominam bem essa linguagem, a marca­ção é ágil e o espetáculo é “textual”, ou seja, o texto domina a cena e o intento é alcançado. Além disso, a história é muito bem contada é o fazer teatral é re­velado através da exposição da coxia do espetáculo.

Dessa forma, crianças pequenas ficam envolvidas pelo clima da farsa e pela excelente caracterização dos personagens, através dos bem resolvidos figurinos de Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves e da maquiagem de Nilton Marques.

A movimentação de cena remete a uma estética mais formal, característica da ópera, mas que, alternando-se com a vitalidade farsesca, garante dinamismo, conseguindo também revelar com leveza o universo do gênero musical que interessa ao autor mostrar e com o qual quer cativar a plateia.

A linguagem utilizada em cena, que vem sendo pesquisada pela Cia. de Teatro Artesanal há algum tempo, evolui a cada espetáculo do grupo. Aliás, o nome da Cia. não poderia ter sido melhor escolhi­do pelo fato de esse grupo de atores ter um excepcional cuidado com a harmonia e o acabamento do espetáculo.

Sem excessos, a simplicidade criativa é a viga mestra não só do bem resolvido cenário de Karlla de Luca e de seus adereços, mas também dos figurinos, aos quais os atores se integram como num organismo vivo.

A música segue a mesma diretriz da simplicidade. No entanto, as limitações vocais
do elenco deixam a desejar em se tratando de um espetáculo em que o universo musical é a referência. Por isso, cria-se um vazio que a direção musical de Débora Garcia poderia resolver em parte.
Entre os atores, destacam-se Nilton Marques, que faz o divertido Leporello, numa excelente composição do herói como esperto e trapalhão, e Daniela Cavanellas, que, como Zerlina, chama a atenção por exibir uma atuação cativante e uma bela voz. Kátia Kamello tem a força necessária exigida pelo papel de D. Elvira, que, nesta montagem, se torna a antagonista do herói. Cid Borges compõe o seu Masetto com fragilidade excessiva, desincumbindo-se melhor na pele do Comendador.

Com quase dez anos de experiência, a Cia. de Teatro Artesanal prossegue sua busca por uma linguagem própria. Agora investe com ta­lento e competência no público jovem, colocando bom teatro ao seu dispor e aproximando-o do universo da ópera de forma bem-humorada.