Bate-Papo de Karen Acioly (*) e Cleiton Echeveste (**) sobre o FIL – Festival Intercâmbio de Linguagens e a Rede FIBRA
CBTIJ/Cleiton: Em 2022, o Festival Intercâmbio de Linguagens chega à 19ª edição. Quais foram as motivações originais que deram vida ao FIL?
Karen: A história do FIL começa mesmo antes de 2003. O então Secretário Municipal de Cultura, que era o escritor Artur da Távola, me convidou a criar algo para as crianças, porque não tinha nessa época nenhuma ação formativa para o público infantil e familiar. Então eu propus que a gente criasse a Coordenação do Teatro Infantil do Município e ele topou. Com essa Coordenação, a gente ia poder implementar e expandir alguns programas e projetos. E foi assim que, aos poucos, a gente convenceu os diretores artísticos que ocupavam a Rede de Teatros do Município a receberem os projetos infantis. Dentre eles, tinha o Projeto Altamente Recomendável Escola, a Mostra de Teatro de Bonecos, o Projeto Primeiros Contatos, entre outros. Esses projetos circulavam pelos Teatros e posteriormente pelas Lonas Culturais. Mas a gente não tinha uma base, um lugar de trabalho particular, nem as oficinas, nem as residências artísticas, para juntar tudo isso. Então em 2003, eu sugeri que a gente pudesse ocupar o Teatro do Jockey, que estava um pouco fora de uso, e fundar o primeiro Centro de Referência do Teatro Infantil. Nessa época, a gestão era do Miguel Falabella, que adorou a ideia. Aí, a gente começou a arregaçar as mangas e a buscar apoiadores para diversos projetos. E eu tinha percebido que na nossa cidade não existia um festival familiar que conectasse as múltiplas maravilhas de programação que existe no nosso país. Então eu comecei a fazer contato com os amigos das outras cidades que tinham trabalhos artísticos incríveis e sugerir que eles viessem se apresentar no Intercâmbio de Linguagens. Eu chamei os meus amigos do povo iauanauá, do Acre; um menino que era um exímio violinista, do Mato Grosso do Sul; o grupo de teatro de bonecos do Manoel Kobachuk; e convidei a querida titiriteira Magda Modesto a fazer uma exposição, e que a gente abrisse o Teatro com essa programação. E também nessa época, eu estava fazendo uma ópera para bebês, “Bagunça”. A gente juntou tudo isso e chamou de Intercâmbio de Linguagens. E assim surgiu o FIL. Nessa ocasião, não tinha ainda essa facilidade de comunicação pela internet que existe hoje, então era tudo combinado por telefonemas, cartas para lá e para cá. Mas foi assim aos poucos que a gente foi virando internacional, chamamos os artistas franceses e depois da China, de outros países distantes e fomos caminhando e deixando o FIL mais estruturado.
CBTIJ/Cleiton: O FIL era inicialmente identificado como um Festival dedicado a crianças e jovens. Com o passar do tempo, ele se tornou um Festival voltado a um público bem mais amplo, incluindo todas as faixas de etárias. Como se deu esta transição? E o que a motivou?
Karen: Na verdade, o público do FIL sempre foi um público de adultos e de crianças, mesmo que a gente tivesse anunciado o FIL primeiro como um lugar mais voltado para a infância. Afinal, as crianças são trazidas pelas mãos dos pais, dos adultos, seus professores, e com o passar do tempo, você acaba renovando o público, por conta de ter programação para bebês, para a juventude. Então, quando você vê, você tem um público cada vez mais amplo e um público leal também, que frequentou outro FIL, que conhece a proposta, que vai até mesmo sem saber o que vai assistir, porque confia na qualidade da programação.
CBTIJ/Cleiton: Em tempos de pós-pandemia e de grave crise econômica e política, quais são os maiores desafios para a manutenção de um Festival Internacional de Artes no Rio de Janeiro?
Karen: Quem faz Festival está acostumado a todos os dias viver na incerteza, nos desafios. A gente pensa nos Festivais europeus, que têm aqueles orçamentos prévios, uma outra realidade, outra estratégia de comunicação, de funcionamento super bem estruturado. Aqui no Brasil a gente se estrutura na corda bamba. Então todos os anos do FIL a gente teve que se estruturar na incerteza. E esses últimos anos particularmente foram anos de trapézio, de malabares, de corda bamba, mas a gente segue em frente.
CBTIJ/Cleiton: Como se deu a construção da Rede FIBRA?
Karen: A Rede FIBRA surge da necessidade de criar compartilhamentos de programações e de reflexões a respeito do que é ser um festival internacional para crianças no Brasil e como a gente poderia se juntar, se estruturar e se potencializar, e otimizar os nossos orçamentos. Então, é uma rede nova, que tem o FIL, tem o TIC, tem o Mini Festival de Música, tem a Mostra Internacional de Curitiba, tem o Festival Paideia, o Festival Primeiro Olhar, tanto em São Paulo quanto em Brasília, ou seja, são sete Festivais, e mais uma curadora convidada, que é uma teórica que trabalha com a gente também, na perspectiva de juntar esse potencial teórico que esses Festivais todos agregam. E estamos no iniciozinho, ainda tem muito caminho pela frente.
CBTIJ/Cleiton: De que formas a atuação em rede torna mais viáveis e sustentáveis tanto a criação quanto a manutenção de ações culturais de médio e longo prazo?
Karen: A gente está procurando as formas de potencializar e tornar mais viáveis e sustentáveis a criação e manutenção dessas ações culturais internacionais, porque normalmente os países têm essa estrutura já pronta. Os Festivais e as redes de Festivais são colaborativos, mas não é uma pessoa ou uma iniciativa que trabalha com a iniciativa privada, é sempre uma questão diferente. Então dentro do país, a gente faz parte da Rede FIBRA, mas a gente também faz parte da Rede de Festivais Internacionais Brasileiros, que é uma rede maior, que também trabalha com os Festivais Internacionais para adultos. É uma rede em construção. A gente ainda não tem as respostas, mas a gente tem muitas perguntas e vamos aos pouquinhos descobrindo esses caminhos.
CBTIJ/Cleiton: Com quais outras redes e organismos nacionais e internacionais a Rede FIBRA está articulada? Como se dá essa articulação?
Karen: Esse momento do quase pós pandemia é um momento de reorganização de todas as redes. Então o que gente tem é uma reorganização da Rede FIBRA, uma reorganização da Rede de Festivais Internacionais Brasileiros e os contatos que cada um tem das redes internacionais. Quer dizer, a gente ainda tem que se rever nesse momento para a gente se rearticular.
(*) Karen Acioly inventa histórias para crianças de todas as idades em livros, peças de teatro, óperas, filmes, desenhos animados e festivais. Doutoranda e mestra em Educação (UFF) com pós-graduação em literatura infantil e juvenil, maîtrise em teatro (Sorbonne) e mestranda em Mídias Criativas (UFRJ). Escreveu mais de 30 peças teatrais e encenou a maioria delas. Recebeu diversos prêmios em literatura infantojuvenil (FNLIJ) e teatro. É inventora, diretora geral e curadora do FIL – Festival Internacional Intercâmbio de Linguagens, pioneiro festival multidisciplinar que, neste ano, completa 19 anos.
(**) Cleiton Echeveste é ator, dramaturgo, diretor e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É um dos criadores da Pandorga Cia. de Teatro, dedicada ao teatro para crianças e jovens. Integra o Centro Brasileiro da Associação Internacional de Teatro para a Infância e Juventude (CBTIJ/ASSITEJ Brasil), no qual atualmente é presidente do Conselho de Administração.