Crítica publicada no Jornal da Tarde
Por Clóvis Garcia – São Paulo – 09.10.1982
Uma animada e musical disputa na cozinha
Um novo Grupo Zambelê, com o texto de dois novo autores, Vitor-Guarany e Marcos Arthur, A História dos Objetos Falantes, se apresenta no Teatro Ruth Escobar, sala Gil Vicente, com uma montagem cuidadosa e caracteristicamente musical. Assim, o teatro infanto-juvenil continua a revelar autores brasileiros, enquanto o teatro para adultos parece voltar a um certo colonialismo cultural, com a predominância de peças estrangeiras.
A história dessa nova peça joga com a antiga ideia de animar os objetos do cotidiano, que Crates, no séc. V antes de Cristo, no teatro grego, já utilizava em sua comédia Os Animais Selvagens, o que demonstra, pela sua permanência na evolução da dramaturgia, que se trata de uma ideia de permanente interesse. O teatro infantil, calcado no animismo que caracteriza o período de desenvolvimento da criança entre quatro e oito anos, mas que permanece no pensamento humano mesmo na idade adulta, tem sido pródigo em utilizar-se desse tema, de grande efeito teatral. No caso de A História dos Objetos Falantes, apenas dois personagens são humanos, a protagonista Camila e a figura incidental da mãe. Os demais, que fazem toda a trama, são os objetos e móveis de uma cozinha, disputando, entre si, qual o de mais importância e utilidade. Também, aqui, poderíamos lembrar o Apólogo, de Machado de Assis, na discussão entre a agulha e a linha, mas sem a conclusão pessimista machadiana, pois a intervenção de Camila vai solucionar a disputa pela proclamação da igualdade entre todos, feita pelo livro.
Os dois novos autores não têm formação teatral, pois Vitor-Guarany é publicitário e jornalista, e Marcos Arthur é ilustrador e músico. A falta de um maior conhecimento das regras da dramaturgia fez com que o texto não tivesse um desenvolvimento dramático, ficando apenas na ideia inicial. Na verdade, trata-se apenas de um episódio pouco desenvolvido, com o tempo teatral preenchido pela música e dança. A parte final, em que cada objeto por intermédio de uma canção, enquanto os outros fazem coro, declara suas qualidades, não tem nenhuma ação dramática, mas apenas movimento cênico.
O que torna o espetáculo interessante e comunicativo é a parte visual, com os figurinos realistas de Luís Rosa e Tieko, que atraem o público infantil, a música e a dança, e o ritmo que a direção de Kaká de Souza imprimiu à encenação. Pena que a parte musical, tão importante, não seja executada ao vivo, com o som gravado cobrindo as vozes. Quanto ao elenco, merece destaque a figura de Maria Paula, que faz uma simpática Camila. De qualquer modo, um espetáculo alegre e animado, que poderia render mais se tivesse uma melhor estrutura dramática.