Lucas Larcher

Nesta edição teremos o encontro de Ricardo Augusto (*) com  Lucas  Larcher (**), tendo como tema suas pesquisas acadêmicas: Teatro Infantojuvenil – O narrador como eixo de uma possível linguagem e Inventariando O Mensageiro do Rei – reflexões e discussões acerca do Teatro Infantojuvenil

Ricardo Augusto: Agradeço ao CBTIJ pela oportunidade de reencontro com Lucas Larcher. Fomos contemporâneos no curso de graduação e mestrado na Universidade Federal de Uberlândia e ministramos em dupla a disciplina “Teatro infantojuvenil” para alunos da graduação em Teatro. Além disso, acompanhei parte da produção e pesquisa que ele desenvolveu no interior de Minas Gerais. Uma honra fazer esse bate papo com ele. Vamos começar pela apresentação. Conte-nos sobre você, sua pesquisa e produção no Teatro infantojuvenil.

Lucas Larcher: Antes de mais nada, gostaria de agradecer ao CBTIJ pelo convite, assim como ao Ricardo pelas palavras carinhosas. É um prazer bater este papo! De modo resumido, sou natural de uma cidade chamada Valença, que fica no interior do Rio de Janeiro. Com dezoito anos, me mudei para Uberlândia, Minas Gerais, para cursar a graduação em Teatro na UFU, onde também realizei, em sequência, meu mestrado e tive o prazer de ser professor substituto por dois anos. Após esse período, como já era discente de doutorado na Universidade Estadual Paulista (UNESP), em São Paulo capital, acabei me mudando para lá e, logo em seguida, para Vitória, Espírito Santo, onde resido atualmente em virtude do trabalho como Diretor de Artes Cênicas na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Há aproximadamente dez anos, tenho me debruçado em questões ligadas ao Teatro infantojuvenil ou seus diferentes sinônimos. No início, ainda nos tempos da graduação, me interessava muito o uso de textos narrativos como textos teatrais em espetáculos para crianças e jovens. Depois, na época do mestrado, ampliei o foco da pesquisa, tentando compreender um pouco mais sobre como as encenações voltadas para o público em questão vinham sendo estruturadas. Já hoje, no doutorado, tenho investigado as (trans)criações de livros ilustrados e de livros-imagem em espetáculos teatrais infantojuvenis da atualidade. Logo, minha produção em Teatro para as jovens gerações está intimamente ligada à minha pesquisa e/ou à minha trajetória acadêmica. Costumo dizer que sempre estou atuando e/ou dirigindo trabalhos em que está em evidência o elemento contemplado em minha pesquisa! Por exemplo, quando investigava a narrativa, montei, em Uberlândia, O chapeuzinho, a partir do clássico conto de fadas que dispensa apresentações. Logo depois, quando estava mais instigado pelos temas  tabus, atuei em O Mensageiro do Rei – texto de Rabindranath Tagore e direção do Mario Piragibe – e montei O Dia de Alan – texto de Vladimir Capella, também em Uberlândia. E, mais recentemente, ao explorar a passagem de livros ilustrados e de livros-imagem para a cena, dirigi Transparente – a partir do livro de Sylvia Orthof -, em São Paulo, e estou no processo de finalização de À Beira – com base na obra de Valeria Docampo e Agnés De Lestrade -, em Vitória.

Ricardo: Quais questões te motivaram a desenvolver pesquisa sobre narrativa e linguagem no Teatro infantojuvenil?

Lucas: Logo no início da graduação em Teatro, fui convidado por uma professora do curso para integrar o elenco de uma montagem infantojuvenil que ela desejava fazer. Ensaiamos por meses, mas muitas questões e situações me deixavam desapontado com o trabalho, que, felizmente, não chegou a estrear. Nesta mesma época, a Vilma Campos, também docente do curso de Teatro da UFU, ministrava para minha turma uma disciplina. Pus-me a conversar com ela sobre minhas insatisfações com a montagem apontada acima e chegamos à conclusão que eu deveria realizar uma pesquisa de iniciação científica sobre Teatro infantojuvenil, estudando os grupos locais que tinham um trabalho diverso àquela experiência. Como minha pesquisa precisava integrar o projeto docente da Vilma, acabei sendo direcionado ao recorte “narrativa no Teatro Infantojuvenil”. Com o tempo, fui compreendendo que a narrativa era um dos elementos explorados recorrentemente na cena para crianças e jovens, em especial a brasileira. E esse conjunto de elementos nada mais era do que uma espécie de  linguagem cênica do Teatro infantojuvenil. Assim, posso dizer que meu interesse primeiro foi pesquisar o Teatro Infantojuvenil como um todo. A narrativa foi uma condição acadêmica, levando em conta o projeto docente da orientadora. Por sua vez, a linguagem foi uma descoberta do trajeto investigativo.

Ricardo: Quais conclusões da pesquisa julga importante compartilhar com outros fazedores de teatro para crianças? Por que esse tema é importante atualmente?

Lucas: Primeiramente, considero significativo pontuar algumas considerações acerca do binômio Teatro Infantojuvenil, assim como de suas variantes. Ao longo dos tempos, este termo vem sendo usado como um guarda chuva para se referir ao teatro que se vincula à infância e à juventude, o que abarca desde práticas pedagógicas com crianças e jovens até espetáculos – no sentido mais tradicional – voltados para este público. Um público que não é homogêneo historicamente, socialmente, culturalmente, economicamente etc. Logo, falar de Teatro Infantojuvenil sempre requer um cuidado em especificar a acepção da nomenclatura, assim como o contexto a que se refere. Em segundo lugar, creio ser fundamental destacar que uma análise histórica sobre o Teatro Infantojuvenil com foco no Brasil revela as origens de muitos de seus estigmas, mas também de elementos recorrentes na cena até os dias atuais, como é o caso da narrativa, das formas animadas, da comicidade, do lúdico e da cultura popular. Reconhecer essa tradição é, sob o meu ponto de vista, fundamental para um fazer teatral mais consciente e potente. E aí entra o terceiro aspecto que gostaria de frisar. Assim como muita coisa ao nosso redor, o Teatro Infantojuvenil está em constante modificação. Com isso, enquanto a tradição pode e deve ser valorizada, adequando-se a novos paradigmas, algumas tendências vão surgindo e devem, também, ser investigadas. O intercâmbio entre as linguagens artísticas,  a presença de temas (até então considerados) tabus e a utilização de múltiplos elementos que não apenas o texto (verbal) como possibilidades de estímulos e/ou disparadores para a elaboração de espetáculos dizem respeito a estas tendências. Tudo isso só contribui com a ampliação das formas expressivas teatrais para a infância e a juventude do tempo presente.

Ricardo: Levando em consideração sua trajetória como artista docente na Universidade e suas percepções como ator, professor e diretor, o que você acredita ser importante num processo de ensino aprendizagem no teatro infanto-juvenil com atores ou futuros professores de teatro?

Lucas: Nas experiências de ensino-aprendizagem e criação conduzidas por mim enquanto docente, ao abordar o Teatro Infantojuvenil, busco sempre evidenciar para os estudantes que fazer teatro por/para/com a infância e a juventude é antes de tudo fazer teatro. Logo, embora existam especificidades das infâncias e juventudes enquanto categoriais sociais, não há diferenças no desempenho da atuação, da direção e de outras áreas que compõem a atividade teatral. Dentre as questões e situações que sempre retornam, estão a negação do uso de um vocabulário restrito e no diminutivo quanto ao texto teatral, a recusa às intenções didáticas e moralizantes expressas na cena e a rejeição à exploração de uma estética mimética, que pouco dá espaço para o jogo teatral acontecer e para que os elementos simbólicos possam ser explorados. Um dos modos que encontro para alcançar esse objetivo é, de início, apresentar às turmas exemplos de dramaturgias textuais e cênicas de múltiplas estéticas ligadas ao tema, tanto nacionais quanto internacionais. E, posteriormente, proporcionar atividades que compreendam a elaboração de um exercício cênico destinado ao público infantojuvenil, pois creio que muitos dos aprendizados em teatro precisam ser experienciados efetivamente. Para mim, é no ato de materializar em cena ideias e proposições que vamos enfrentando as dificuldades, encontrando possibilidades e, consequentemente, aprendendo e ensinando sobre o teatro, independente do público a que este se dirige.

(**) Lucas Larcher é artista-docente-pesquisador, atuando como Diretor de Artes Cênicas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Doutorando em Artes pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Mestre em Artes pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e graduado em Teatro pela mesma instituição, com bolsa sanduíche no exterior (CNPq-CAPES) na Universidade de Évora (UÉ), em Portugal. Dedica suas pesquisas especialmente ao Teatro Infanto-juvenil da atualidade.

(*) Ricardo Augusto é ator, professor e gestor cultural. É formado em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas, pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU, especialista em Educação Infantil pela UNIESSA e mestre em Artes pela UFU. Integra o Grupo de Teatro Trupe de Truões. Foi coordenador do Ponto de Cultura Trupe de Truões. É representante do Núcleo Regional do CBTIJ em Uberlândia/MG.