Crítica publicada em O Globo – 2º Caderno
Por Mànya Millen –  Rio de Janeiro – 24.05.2015

Frio. Dayse Pozato dá vida a Maria: um autêntico Andersen sem final feliz.

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Emocionante e delicada, montagem foi a última direção de Lúcia Coelho

Pais que abandonam crianças ao deus-dará na floresta, madrastas que tentam assassinar enteados, outro pai que sonha se casar com a própria filha. Vida real? Não, nesse caso são doces contos de fada. Nem tão doces assim, é verdade, embora quase sempre terminem num final feliz ou pelo menos numa singela lição de moral. Quase sempre. Em se tratando do dinamarquês Hans Christian Andersen, a tristeza pode chegar, sem muita redenção, até a última palavra do conto, como em A Pequena Vendedora de Fósforos, que ganhou uma bela concepção e direção de Lúcia Coelho, nome fundamental da história do teatro infantil no país. A peça, uma produção de 2012, reestreou no Oi Futuro de Ipanema, onde ficará até o próximo domingo, foi o último trabalho de Lúcia, que morreu no ano passado.

Andersen soube como poucos, extrair beleza da dor. Em A Pequena Sereia, lembrem-se, o final não é aquele edulcorado pelas cores da Disney. A mocinha subaquática morre, se desmancha mesmo em espuma na praia, ao perder seu grande amor. Aqui, o destino da pequena vendedora, a menina Maria, interpretada com vigor e encanto por Dayse Pozatto, também não é feliz. Embora o texto faça referências a outros personagens do mestre Andersen como o soldadinho de chumbo perneta e a bailarina pela qual ele se apaixona, a adaptação, a cargo de Denise Crispun, não se desvia do original e mantém as notas tristes até a última cena.

Maria, que enfrenta a pobreza que a cerca com otimismo e fé num futuro melhor, não escapa de morrer congelada e sozinha na véspera do Ano Novo. Sua única felicidade, nesse caso, é reencontrar a avó querida que já havia morrido.

O branco cenário de papel, de Carlos Alberto Nunes, e a iluminação, de Djalma Amaral, funcionam com precisão, aliás, para que a plateia mergulhe no clima gelado no qual a menina tenta sobreviver.

Alexandre David e Jacyan Castilho dão vida aos personagens que orbitam em torno de Maria. Ele encarna o pai, o soldadinho, um garoto rico e mimado, e o escritor que tenta achar um final para a história da menina. Ela, a bailarina, uma vizinha, a avó carinhosa. Ambos se desdobram em momentos de humor e ternura, tornando-se coadjuvantes importantes na construção da narrativa.

Mesmo que nem todas as crianças percebam exatamente o que aconteceu no final, elas levam do espetáculo uma reflexão delicada sobre solidariedade, amor e esperança.

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Este texto também está disponível no site do Centro de Pesquisa e Estudo do Teatro Infantil. www.cepetin.com.br

Infantil – Crítica

A Pequena Vendedora de Fósforos
Onde: Oi Futuro Ipanema, Rua Visconde de Pirajá, 54 (3131.9333)
Quando: Sáb. e dom., às 16h (até 31/5)
Quanto: R$ 15
Cotação: Ótimo