Crítica publicada na Última Hora
Por Luiz Sorel – Rio de Janeiro – 17.08.1988

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O Bom Teatro Infantil

Vamos colher dados, diz um personagem no meio da peça Os Visigodos, de Karen Acioly, no teatro da Casa de Cultura Laura Alvim. Enquanto os atores recolhem dados de árvores, o espectador vai juntando dados sobre a infância, a maternidade e a agressão mútua. Só que a agressão, aqui, é analisada sobre o ponto de vista da criança. São pequenas guerras de travesseiros, de palavras difíceis, de circo, ou seja, tudo vinculado à realidade da criança. Uns xingam de eclético, os outros revidam de ortodoxo, mas ninguém sabe o significado destas palavras. O que interessa é a ofensa, o som, a atitude em si.

Estas desavenças entre visigodos e ostrogodos acabam se transformando numa grande brincadeira, onde cada grupo começa a descobrir a compreensão que deve existir entre os seres e, só ao darem vazão à afetividade, é que se realizam como duendes e gnomos. A sexualidade é colocada de forma sutil e poética. O anjinho e o capetinha sem sexo definido é um grande achado.

O espetáculo dirigido por Karen mantém o tempo todo uma linguagem descontraída e alegre. As músicas de Tim Rescala ganham um belo colorido nas vozes claras e afinadas de todo o elenco, que rende muito bem. No entanto, sente-se que, por falta de espaço, os atores estão espremidos, muitas vezes criando uma confusão visual, além de o final não ficar completamente claro.

Falta definição. São problemas facilmente contornáveis que não invalidam as intenções do grupo, nem o excelente cenário de Américo Issa e os ótimos figurinos de Paula Acioly.

Quem gosta de magia, de poesia, de discutir o relacionamento das pessoas, encontrará em Os Visigodos um prato cheio para questionamentos diversos. Aproveitem.

Já no Teatro Ipanema, a Intrépida Trupe, unindo duas linguagens como o teatro e o circo, consegue criar um espetáculo cativante, visualmente engraçado e cheio de boas ideias. A criatividade corre solta o tempo todo e cria belas imagens como a do chá (inspirado em Lewis Carol?), onde torradas e jujubas se transformam num frenético número de malabares; no sutil nascimento, ou ainda na incrível cidade que anda. Os adereços e figurinos de Gringo Cardia e Intrépida Trupe são tão inventivos que é difícil não aplaudir em cena aberta.

Existem muitas referências cinematográficas, como a de O Grande Ditador, de Charles Chaplin, a de King Kong, ou a dos inocentes filmes de praia de Frank Avalon, Sandra Dee e Connie Francis. Conseguem efeitos incríveis brincando com diversas dimensões. As coisas crescem e diminuem com a maior facilidade, como se fossem um mosaico na cabeça de uma criança.

Não existe uma história propriamente dita. O fio condutor é a saída dos pais para uma festa, o que faz com que as crianças fiquem em companhia da avó, tão peralta quanto elas. A partir daí o que acontece é puro surrealismo cênico, muito próximo à estética de um gibi.

Pena que a direção e a coreografia de Graciela Figueroa não tenham conseguido uma carpintaria teatral mais coerente com a trupe. Existe um sério problema entre as transições cênicas e isso esfria o espetáculo, que precisaria, também, procurar músicas mais apropriadas.

Os atores conseguem transmitir energia, e alguns, como Dani Lima, Luiz Carlos Vasconcellos e Felicity Simpson, são gratas revelações com um trabalho límpido, pleno de nuances e muita comunicabilidade. Um conselho a todos: cuidado com a técnica.