Matéria publicada no Jornal Última Hora – UH Revista
Por Teresa Tavares – Rio de Janeiro – 03.08.1983
A Batalha entre David e Golias
Pela primeira vez foi quebrada a relação de poder que subjugava o Teatro Infantil ao teatro adulto. No dia seis de julho, o juiz Maurício Gonçalves de Oliveira concedeu liminar à peça Tistu – O Menino do Dedo Verde para que esta pudesse encenar o espetáculo como havia sido concebido. A peça noturna Toma Lá, Dá Cá exigia da direção do Teatro Villa-Lobos que fossem feitas alterações no cenário da peça infantil, que impedia a apresentação noturna.
O Teatro Infantil é o filho adotivo de um casamento em comunhão de bens, entre a direção dos teatros e os espetáculos adultos. Enquanto as peças para público mais velho têm todos os privilégios, como prioridade sobre palco e cenários, “os espetáculos infantis podem tudo desde que não incomodem o teatro adulto”, esclarece uma das diretoras do Sindicato dos Artistas e Técnicos do Rio de Janeiro, Alice Viveiros de Castro, prêmio Mambembe pela interpretação na peça infantil A Fada que Tinha Ideias.Se, no mesmo teatro, estão uma peça infantil e outra adulta e esta última se vê prejudicada, de alguma forma, no que se refere a cenário, iluminação ou vestuário, a recomendação imediata da direção do teatro é de que o espetáculo infantil se reformule ou então se mude. Na maioria das vezes, o problema se dá porque a administração dos teatros escolhe peças adultas com um cenário incompatível, que não pode ser desmontado, para funcionarem paralelamente a peças infantis. Como as direções dos teatros justificam que as peças adultas sustentam a casa, elas simplesmente fazem com que a programação cênica das peças infantis seja mudada, ou então, mais simplesmente ainda, retiram a peça de cartaz, sem reembolsar ninguém pelos prejuízos.
Cláusula primeira com que todas as produções infantis devem concordar para poderem ser encenadas: “as peças infantis devem se adaptar às necessidades de cenários, de figurinos, de horas de ensaio, de iluminação e a toda infraestrutura que envolve as peças adultas”.
Elvira Rocha, Prêmio Molière pela produção de A Fada que Tinha Ideias, declara que a submissão do espetáculo infantil se deve à omissão das direções dos teatros, “que delegam todo o poder de decisão sobre o espaço para os espetáculos adultos. A impressão que se tem, continua ela, é de que as produções adultas arrendaram os teatros”.
Alguns atores de espetáculos infantis que já foram atingidos por essa discriminação, acham perfeitamente natural o comportamento das administrações dos teatros, “pois vivemos num sistema capitalista e o teatro adulto rende mais que o infantil”. No entanto, não se justifica a explicação de que as peças infantis não recebam igual tratamento que as peças adultas por não terem o mesmo rendimento de bilheteria. Tistu – O Menino do Dedo Verde, um dos poucos espetáculos infantis com sessões durante a semana e com faturamento de Cr$ 10 milhões por mês, comparável a peças noturnas de sucesso, também teve problemas.
Três meses após a sua estreia no Teatro Villa-Lobos, a produção teve que dar entrada em um mandado de segurança contra a Funarj para garantir a realização do espetáculo conforme ele foi concebido e estava sendo realizado desde 3 de abril. A administração do teatro queria que o produtor Ivan Merlino mudasse toda a concepção da peça e a adaptasse às novas condições de espaço impostas pela produção de Toma Lá, Dá Cá, que estreou no dia 14 de julho passado, no mesmo teatro, em horário noturno.
Oberdan Júnior, 12 anos, que faz o personagem-título da peça infantil, só sentiu medo e pena, dele e dos colegas, quando se levantou a hipótese de uma provável paralização do espetáculo, caso a sua produção não aceitasse as normas que o teatro impunha. Ele recusara proposta para fazer O Pequeno Príncipe, interessado na peça que Merlino estava montando.
“Quando li o texto, achei maravilhoso, diz Oberdan. E seria uma pena que se deixasse de mostrar às pessoas as coisas lindas que Tistu fala sobre o mundo, as flores e as crianças”, completa ele.
O produtor Ivan Merlino explica que além de mostrar, simbolicamente, ao público infantil que é possível mudar o mundo, Tistu “abriu caminho para que produtores de peças infantis não se submetam a este estado de coisas e reivindiquem com firmeza os seus direitos. Além disso, Tistu – O Menino do Dedo Verde já vinho ocupando o teatro há três meses e não tinha por que se sujeitar às exigências de quem estava chegando”.
A Ivan Merlino Produções Artísticas Ltda. Foi o primeiro organismo a entrar com um mandado de segurança contra um órgão governamental, no caso a Funarj. E o próprio Merlino estranha que o teatro “sempre na vanguarda da luta pela justiça, nunca o tenha procurado para defender os seus direitos”. Apesar da omissão, o despacho do juiz Maurício Gonçalves de Oliveira sentenciava que o palco do Teatro Villa-Lobos permanecesse livre e desimpedido, “sempre duas horas antes da hora marcada para cada espetáculo”.
Para o diretor do Villa-Lobos, o ator Rogério Fróes a atitude da produção de Tistu em dar entrada num mandado de segurança contra a Funarj, “foi típica de quem não está habituado ao ambiente teatral, pois é de praxe que todas as produções para o público infantil aceitem as prerrogativas do teatro adulto”. Mas como os cenários da peça noturna teriam que ser desmontados e montados diariamente, a produção do Toma Lá, Dá Cá também entrou na Justiça e o juiz voltou atrás e decidiu que se deveria fazer um sobre palco para a peça infantil, acrescentando que o teatro deveria arcar com as despesas.
Ivan Merlino, produtor e diretor várias vezes premiado por seus trabalhos dirigidos ao público infantil, ganhou prêmio MEC em 1979 pela direção de Panos e Lendas, acha que dificilmente conseguirá renovar, em outubro, seu contrato com o Teatro Villa-Lobos, “principalmente na atual administração”.
Em contrapartida, o diretor do Villa-Lobos responde que estará a cargo da Funarj a decisão de continuar a peça.
Uma Subordinação Injustificada
Nem todos os espetáculos infantis conseguem vitórias, mesmo parciais, como foi o caso de Tistu. Na maioria das vezes, já vem especificado em contrato que a peça infantil está subordinada à adulta. Este foi o caso de Elvira Rocha, que não chegou nem mesmo a encenar a sua A Fada que Tinha Ideias, no Teatro Clara Nunes. O espetáculo noturno Os Desinibidos não aceitou fazer qualquer tipo de concessão quanto à iluminação, camarins e cenários que pudessem beneficiar a realização do espetáculo infantil.
Segundo o diretor e sócio do teatro, Danilo Rocha, a culpa das peças infantis não terem maior independência e autonomia se deve em parte ao pessoal noturno, que não gosta do teatro infantil. “Eles não cedem camarins, nem cenários e muito menos refletores, que poderiam ser usados simultaneamente pelas duas produções”. Apesar de culpar os espetáculos noturnos como responsáveis pela submissão do teatro infantil, o diretor do Clara Nunes admite que nunca deixou de colocar nos contratos das peças infantis a cláusula que as submete aos espetáculos adultos.
“Na maioria das vezes, essa cláusula faz parte do combinado com as peças noturnas. Muitos espetáculos adultos só assinam com a gente se concordarmos que a peça infantil esteja subordinada a eles”, completa Danilo Rocha.
Segundo Elvira Rocha não é só a questão econômico-financeira que pesa na hora de decidir entre o espetáculo noturno e o diurno. De acordo com a produtora e também atriz a maioria dos donos de teatro está cada vez mais comodista no sentido de resolver qualquer impasse que possa haver entre as duas produções.
“Para eles, declara Elvira, a qualidade do infantil nunca interessa. O importante sempre é a bilheteria”.
Mas nesse caso, a regra se viu transformada em exceção e Os Desinibidos fracassou, enquanto que A Fada que Tinha Ideias obteve grande sucesso de público. Por isso está sendo montada há quatro anos.
“O que aconteceu no Clara Nunes, explica ela, não é de modo algum um fato isolado. Esse tipo de comportamento tem se alastrado de uma maneira alarmante. Aí, ficamos à mercê das produções de espetáculos adultos, ou seja, dos nossos próprios colegas de profissão”.
Elvira lembra que o contrato de sua peça já estava assinado e a divulgação sendo feita quando a montagem do adulto ficou pronta.
“Eles prepararam um cenário incompatível com o nosso. E se nós insistíssimos em fazer o espetáculo no Clara Nunes, a qualidade seria irremediavelmente afetada”.
A produção de A Fada que Tinha Ideias ficou então dois meses parada à procura de um teatro em que pudesse ser encenada. Aguarda que possa ser apresentada dessa vez no Teatro Vanucci, daqui a dois meses.
Preconceito ou Apenas Faturamento?
“Um preconceito generalizado contra o teatro infantil”, é a conclusão a que chegou Alice Viveiros de Castro, umas das diretoras do Sindicato dos Artistas e Técnicos do Rio de Janeiro, quando analisou as principais dificuldades enfrentadas na montagem de um espetáculo infantil. Segundo ela, não só os diretores de teatro, como também os pais, professores e autores teatrais são corresponsáveis pelo pouco caso com que é tratado o teatro para crianças.
“Quem trabalha no teatro infantil, continua Alice, sabe que o principal fator que determina a escolha de uma peça é a localização do teatro e a existência de estacionamento. Em último lugar vem a preocupação com o conteúdo”.