Crítica publicada na Última Hora
Por J.D. – Brasília – 17.09.1985
As Lições das Casas, pelo Mestre Molière
Escola De Mulheres estreia hoje no Villa-Lobos
A visão satírica de Molière em relação à sociedade francesa do Século XVII o transformou num representante máximo da comédia no seu País, além de um dos mais significativos dramaturgos da literatura universal. Com a peça Escola de Mulheres, escrita em 1662, ele acabou criando um espetáculo engraçadíssimo, que hoje tem estreia na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional, às 21:30 horas. No elenco estão Jorge Dória, Vinicius Salvatori, Ana Luísa Lacombe, Paulo Bibiano, Mayara Norbim, Danielle Eça, José Ferro, Rosana Bastos, Ricardo D’Amorim, Léa Regina, Nilson Acioly.
Se a crítica não considera Escola de Mulheres o melhor espetáculo escrito por Molière, por outro lado não se pode negar que no texto o autor se afirma em toda sua filosofia de vida. Os caminhos e descaminhos da sociedade de seu tempo (se estivesse vivo, hoje, ele teria 362 anos de idade), são enfocados segundo o espírito de irreverência e aguçada picardia de Molière. Com adaptação e tradução de Domingos de Oliveira, Escola de Mulheres deu ao ator Jorge Dória o prêmio Mambembe-Inacen, como melhor ator do ano de 1984. A Espaço Produções Artísticas ficou com o prêmio de mesmo nome, como um dos cinco melhores espetáculos de 84, no Rio de Janeiro. Domingos de Oliveira recebeu o Prêmio Molière-Air France.
Se o elenco de Escola de Mulheres, por um lado, é compensado com um dos prêmios mais cobiçados do teatro brasileiro, por outro lado, o público será brindado com um espetáculo consagrado por sua capacidade de divertir, mesmo porque apesar de escrita no Século XVII, Escola de Mulheres transpõe para os dias de hoje todo clima de deboche concebido por seu autor em relação aos costumes. O personagem principal (Dória) é famoso por divulgar em toda cidade todos os casos de infidelidades. Aliás, seria correto dizer que Arnolfo tem como diversão maior tornar-se terror dos maridos enganados que, por sua causa, não conseguem se manter no anonimato. Ele, por sua vez, não admite a ideia de ser enganado e sente-se apavorado ao pensar nesta possibilidade. Sendo assim, ele resolveu tomar sérias precauções em relação à mulher que escolheu para ser sua esposa: trancada a sete chaves, escolhida ainda menina. Era necessário mantê-la distante das tentações do mundo externo, em estado de perfeita inocência. Era assim que ele queria: uma esposa somente sua, perfeita e fiel. Mas toda cautela cai por terra no momento em que Horácio, filho de um velho amigo de Arnolfo, chega à cidade e se apaixona por Inês, sua esposa.
Domingos de Oliveira usa a técnica do contador de histórias. O espetáculo tem início com o elenco de bailarinos cantando e dançando a vida de Molière, divertindo, enquanto dá uma informação importante ao público. Mas a maior parte do tempo no palco sem dúvida é preenchida com a atuação firme de Jorge Dória. Louve-se também o trabalho de Domingos de Oliveira, para quem o clássico não é para ser cultuado, mas trabalhado. E Jorge Dória, como haveria de se esperar, não se mantém nos limites do personagem. E com isso, elenco e plateia saem ganhando. O espetáculo, como um todo, não dispensa boas doses de poesia e não deixa de ser profundo por ser hilariante. Certamente, o público habituado a fazer associação entre popularidade e mau gosto ficará surpreso diante desta comédia de Molière. Os truques armados por Inês e Horácio, no sentido de trair Arnolfo, sempre acabam bem sucedidos, especialmente por se tratar de uma comédia escrita por um autor cuja obra até hoje é respeitada, seja no seu País ou em outra parte do mundo. Vale ressaltar ainda que, no bojo de sua fina ironia, Molière não abandona a análise dos fenômenos psicológicos inerentes à alma humana, como é o caso do ciúme. E enquanto existirem homens com medo de serem traídos, jovens ingênuas e rapazes apaixonados e cheios de vida, além de uma estrutura social hipócrita e convencional, Escola de Mulheres encontrará espeço em qualquer palco no mundo.