O Rinoceronte Careca abre novos caminhos para a dramaturgia juvenil e vale a pena ser vista

Crítica publicada no Jornal da Tarde
Por Clóvis Garcia – São Paulo – 27.09.1986

 

 

 

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Lembrando Ionesco, sem Coincidências

Se o título da peça que está no Teatro de Arte do TBC (Sala 3), O Rinoceronte Careca, sugerir imediatamente, o nome de Ionesco, um dos maiores dramaturgos contemporâneos do teatro do absurdo, não terá sido mera coincidência. Marco Ghilardi, autor do texto, encenou, no ano passado, A Cantora Careca, para adultos. Juntando o nome de outra peça de Ionesco, Rinoceronte, Ghilardi presta uma homenagem ao dramaturgo francês, de origem romena, e cria um texto na linha do teatro de absurdo, renovando o teatro para o público jovem e abrindo novos caminhos para a dramaturgia infanto-juvenil. Vale a pena, mesmo sem a desculpa de levar filhos ou sobrinhos, descer ao porão do TBC, hoje um verdadeiro centro teatral, com cinco salas e doze encenações.

O Rinoceronte Careca segue a linha do mestre. Com uma história simples, do cotidiano de todo mundo, mostra a trajetória da infância à maturidade de duas crianças, um menino e uma menina, filhos de dois casais tipicamente burgueses, na nossa sociedade de consumo.

Dentro da nossa estrutura educacional, na família e na escola, Ghilardi joga com o absurdo da linguagem e das situações comuns, desestruturando a conversação usual, pela repetição e pelo excesso de elementos que estão no dia-a-dia, mas que, acumulados, mostram a falta de conteúdo significativo. A crítica surge, assim, naturalmente do texto e das situações, sem necessidade de explicitá-la. Para o público infantil, que gosta de lidar com o absurdo e com jogos de palavras – as parlendas são um exemplo típico – o texto é uma diversão, sem necessidade de maiores explicações. Para os mais velhos, a crítica às nossas estruturas familiar e escolar fará pensar.

O jovem diretor José Ferro, ao que parece estreante, teve o grande mérito de compreender o espírito do texto, e jogar com estilizações que acentuam o sentido satírico. Com criatividade e imaginação, o diretor realizou um espetáculo dinâmico, divertido, com um tempo preciso – sem o que não funcionaria a peça no palco – obtendo, ainda, um ótimo rendimento dos atores. Contando com um cenário funcional, capaz de atender às mudanças de cena, também criativo como o grande ovo frito que faz de sol na janela, de autoria de Ary Ribeiro Junior, figurinos na mesma linha, de Ana Luísa Lacombe, excelente preparação corporal de Leila Garcia e adequada trilha sonora de Júnia Flávia d’Affonseca, e um elenco em que se destaca Mayara Norbim na Mary Ervilhas, a criada das duas famílias ao mesmo tempo, lembrando Arlequim, Servidor de Dois Amos de Goldoni, dentre os ótimos Ana Luiza Lacombe, Cirano Rosalem, Eleonora Rocha, Aramando Tiraboschi, Dirce Carvalho e Hélio Zachi, o espetáculo é uma das felizes realizações desta temporada.