Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ricardo Schöpke – Rio de Janeiro – 14.12.2009
Humor e teatralidade em harmonia
Nova peça dos Irmãos Brothers remete ao universo da comédia-pastelão de os Três Patetas
Ao assistirmos à peça 3 Marujos Perdidos no Mar, em cartaz no Teatro do Jockey – mais uma boa realização dos componentes Irmãos Brothers -, nos remetemos invariavelmente a um dos mais importantes trios de comediantes do cinema mundial: Os Três Patetas (Thre Stooges, no original), responsáveis por uma grande filmografia, classificadas como comédias-pastelão, nas décadas de 30 a 50. No gênero, predominam cenas de quiproquós, explorando motivos de riso, de qualidade discutível, e implicando, muitas vezes, em violência física. Suas representações atuais se encontram nos desenhos animados, filmes cômicos, normalmente direcionados ao público jovem.
Apesar de o termo ser usado pejorativamente, a interpretação da comédia-pastelão (baseada em cálculo de execução delicada e sincronismo: ação do personagem e risada do público) é considerada uma das tarefas mais difíceis que um ator pode enfrentar. Os Três Patetas eram representados por três comediantes americanos, que se faziam valer de expedientes como confusões generalizadas, muitas trapalhadas, um sem-número de pancadas, diversas tortas na cara e alguns alicates para torcerem os seus narizes. Cada um deles apresentava uma característica de personalidade marcante: Moe (Moe Howard), o mal-humorado e líder da trupe de bufões, Larry (Larry Fine), o meio idiota, e Curly (Jerome Lester Horwitz), o completamente insano.
Juntos eles eram responsáveis por contar, de uma maneira politicamente incorreta, histórias recheadas de gags, como cair de queixo no chão, saltar os olhos para fora do rosto, flutuar no ar, dar golpes com algum instrumento pesado que achata o personagem, ver passarinhos e estrelas voando ao redor de sua cabeça ou bater em algo invisível, e pantomimas, gestual que faz o menor uso de palavras e o maior de gestos. É a arte de narrar com o corpo. É uma modalidade cênica que se diferencia da expressão corporal e da dança. Basicamente, é a arte da mímica, um ótimo artifício para comediantes, cômicos, clowns, atores, bailarinos, enfim, os intérpretes. A pantomima costuma impressionar e chamar a atenção da plateia; por ser de fácil assimilação e, por ser praticamente universal, ela é bastante utilizada. Assim sendo, a ótima construção dramatúrgica de 3 Marujos Perdidos no Mar, escrito por Alberto Magalhães, narra a divertida viagem de uma trupe de palhaços pela história dos descobrimentos. Lelé, Biruta e Pancada (identificados com Moe, Larry e Curly), cansados da vida em Portugal, decidem viajar para a Índia a bordo da nau Maluquete. Eles partem ao encontro de personagens que vão de Colombo a Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama e, para isso, enfrentam tempestades, tubarões e canibais.
Texto bem encadeado
Na ânsia de chegar à Índia pela rota do Oriente, eles naufragam e são resgatados pela nau de Colombo. Depois são lançados ao mar e se fazem passar por piratas com Vasco da Gama. Por fim, o trio é responsável pelo desaparecimento da 13ª caravela de Cabral, e chega ao Brasil antes de seu descobridor. O texto de Alberto Magalhães possui uma qualidade diferenciada no teatro para crianças. Ele é bem encadeado, bastante agradável de se ouvir e muito rico em informações sobre a história dos descobrimentos, sem valer-se de didatismo. Porém, uma coisa é o texto escrito, e outra é a sua transposição cênica para os palcos. Como texto, ele é bem escrito, entretanto, como teatro, ele poderia sofrer alguns pequenos cortes para alcançar uma maior fluência na encenação. Assim, a direção de Cláudio Mendes é arrastada em alguns momentos, dando-nos a impressão de que o grande número de informações e referências à história dos descobrimentos merecia uma condensação, e talvez uma melhor tradução em composições acrobáticas e físicas, o ponto alto dos Irmãos Brothers. A cenografia de Dero Martins e Cláudio Mendes é bastante detalhada, criativa e funcional.
Ao entrarmos no teatro, deparamo-nos com um picadeiro de circo – rodeado por inúmeras lampadazinhas em formato circular-, forrado com uma lona, onde vemos pintados o mapa-múndi e, no centro da cena, uma caravela em miniatura dentro de uma garrafa de vidro transparente. Ao fundo, avistamos malas e três cadeiras bastante expressivas, que são utilizadas em diversas funções nas cenas do espetáculo. Um dos grandes trunfos da cenografia é justamente a transformação e recriação de objetos – as composições cenográficas das cadeiras, vassouras, baldes, barbantes, malas e cabideiros, transformadas em caravelas, monstros, ilhas, cabanas e remos; alcançam uma grande teatralidade, sem contar com bolas de encher que viram cocos.
A trilha sonora de Andréa Montevecchi é bastante agradável e ambienta com precisão as cenas de navegação e aventura. A iluminação de Aurélio de Simoni é correta, funcional e refinada nas miniaturas de lâmpadas em torno do picadeiro. Os atores apresentam atuações irregulares, devido a pouca familiaridade com o uso do texto. Fábio Florentino tem uma boa atuação no papel do palhaço Lelé auxiliado pela dramaturgia mais fluente da sua personagem principal e de seus outros papéis. Dalmo Cordeiro está à vontade em cena e faz com muita graça e competência o papel do palhaço ingênuo e chorão Pancada. Alberto Magalhães, como o palhaço Biruta, não apresenta na interpretação o mesmo domínio que apresenta na expressão corporal, encontrando-se mais aprisionado por uma forma esquemática de atuação, corroborando assim com que pequenas desconcentrações no decorrer do espetáculo, provoquem alguns tropeços do ator em seu grande bloco do texto.