Critica publicada no Jornal do Brasil
Por Macksen Luiz – Rio de Janeiro – 1989
Tempo em suspensão
A estreia de Nossa Cidade ganha, nesse momento de duras medidas econômicas, um caráter de heroísmo. O elenco e os técnicos do grupo Tapa se empenharam para que o público carioca pudesse assistir, no Teatro Nelson Rodrigues, à montagem da peça do americano Thornton Wilder que mobiliza 19 atores e que chega de São Paulo recomendada por uma boa carreira na capital e por uma excursão por 36 cidades do interior do estado, além de várias indicações para os prêmios Mambembe, Shell e APETESP. O caráter de excepcionalidade dessa estreia – na quarta-feira também estreou Tributo a Chico Mendes, no Teatro Cacilda Becker, vencendo o desaparecimento da Fundacen, patrocinadora do Projeto Mambembão – oferece uma perspectiva diferente na avaliação do espetáculo. Afinal, essa peça tão delicadamente construída – escrita no final dos anos 30, mantém inalterada a solidez da sua construção dramática – continua a ser um tocante e poético registro da vida de uma pequena cidade (originalmente nos Estados Unidos, e na versão do Tapa adaptada para o interior paulista). Através dos habitantes dessa cidadezinha, Wilder faz um seccionamento no próprio tempo e rompe com a estrutura narrativa realista. O narrador assume o papel do autor, pirandelianamente, intervindo na ação para interrompê-la ou para avançar o tempo.
Dividida em três épocas – cotidiano, casamento e morte – Nossa cidade é feita de pequenos sentimentos, aqueles que se expressam na banalidade do dia-a-dia mas que têm a grandeza da mais profunda emoção. O ato de viver é o grande personagem de Wilder. O diretor Eduardo Tolentino de Araújo, que demonstra na sua carreira uma especial sensibilidade para esse tipo de universo – basta lembrar a sua montagem de O tempo e os Conways – faz uma leitura um tanto branca de A nossa cidade. A adaptação prejudica muito o estabelecimento do clima filigranado do texto. Imposta artificialmente, a transferência para a cidade paulista contribui para que a peça perca muito da sua veracidade dramática. É difícil convencer a plateia que no interior de São Paulo, na década de 10, fosse servido leite maltado e que jovens cursassem escolas de agricultura. O bom gosto visual, no entanto, ajuda a embalar poeticamente o espetáculo que conta com as presenças sensíveis de Walderez de Barros e Umberto Magnani.
Com apenas mais três dias de espetáculo – hoje, amanhã e segunda – A Nossa Cidade prova em meio a essa crise avassaladora que atinge o teatro de maneira tão funda, que as artes cênicas têm uma capacidade de sobrevivência extraordinária. As ameaças que rondam o palco parecem desaparecer quando, diante de atores representando a vida, o público reconhece que o imaginário, a poesia e a reflexão ajudam a pensar o instante apenas como o tempo em suspensão.