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Guilherme Sant´Anna e Zécarlos Machado em O Senhor de Porqueiral

Critica publicada em O Estado de São Paulo
Por Aimar Labaki – São Paulo – Jul 1985

Barra

Um ótimo tapa no porqueiral colonizado

O Grupo Tapa, no meio da crise econômica e cultural do País, transformou o teatro da Aliança Francesa em um centro de resistência à mediocridade. O Senhor de Porqueiral, de Molière, dirigido por Eduardo Tolentino, é a melhor montagem do grupo em São Paulo até agora e o passo definitivo para a consolidação da companhia.

O texto inédito e pouco conhecido no Brasil traz vários elementos do Doente Imaginário, anualmente ensaiado pelo Ornitorrinco. Os subterfúgios de um casal enamorado para convencer o pai da moça a permitir o casamento servem de base para uma sátira contundente ao ridículo dos homens, espelhado no ridículo das instituições. A tradução de Pina Coco mantém-se fiel ao original, sem cair em arcaísmos que atrapalhem os atores.

Tolentino faz do espetáculo um carnaval sob controle, em que a tropicalização dos elementos não leva a uma diluição, mas a uma compreensão mais aguda do processo de assimilação da cultura européia pelas elites do Terceiro Mundo. Porqueiral é o provinciano querendo entrar na corte, mas é também o paulista querendo ser nova-iorquino, o negro querendo ser branco, o branco querendo ser Deus.

Equipe afiada, o espetáculo está bem cercado por todos os lados. Os figurinos de Lola Tolentino são, novamente, sensuais e precisos. Juvenal Irene dos Santos resolve o espaço cênico com uma óbvia e muito bem utilizada teia de aranha. A iluminação de Wagner Freire acompanha os tons da direção no que, talvez, seja a melhor iluminação das montagens do grupo. A maquilagem de Anna Van Seen revela sensibilidade e talento específicos para o palco.

O elenco é irrepreensível, fruto de trabalho sério e continuado que só a experiência em grupo pode proporcionar. Guilherme Sant´Anna, uma das presenças mais constantes e marcantes do grupo, protagoniza com segurança e excelente tempo de comédia. É particularmente impressionante seu domínio vocal. Zé Carlos Machado (Sbrigani) tem o personagem mais difícil, por caricatural, mas passa ao largo dos perigos e tem uma performance vigorosa e aliciadora. Clara Carvalho (Júlia) cresce a cada trabalho e mostra aqui uma insuspeitada sensualidade. Jarbas Toledo desenha o jovem galã com convicção e talento. Noemi Marinho (Nerina) sai de sua excepcional performance como protagonista em Risco e Paixão para um papel menor, ao qual se entrega com a mesma garra, esbanjando talento e sensualidade. Ernani Moraes (médico 1 e oficial) se afirma como o mais escatológico dos novos atores. Uma espécie de Fregolente modernizado, em excelentes caracterizações. Gustavo Kurlat (responsável pela boa direção musical), Cassiano Ricardo, Paulo Arapuan, Valnice Vieira Bolla e Belson Baskerville completam o elenco com intervenções que vão do correto ao excelente.

Clareza de objetivos, talento evidente e trabalho aplicado levaram o Tapa não só a esse espetáculo imperdível, mas também a uma posição muito especial no teatro paulista. Os cariocas que me perdoem, mas o Tapa é ótimo. E nosso.

Serviço: Senhor de Porqueiral, de Molière, direção de Eduardo Tolentino de Araújo, com o Grupo Tapa. Teatro Aliança Francesa, rua Gen. Jardim, 182, tel. 259.0086, de quarta a sábado, às 21 horas, e domingo, às 20h – NCz$ 5,00 (quarta), NCz$ 8,00 (quinta, sexta e sábado) e NCz$ 10,00 (domingo). Estreia em 15/06/85

Legenda da foto:
Guilherme Sant´Anna e Zécarlos Machado em O Senhor de Porqueiral