Na técnica do Bunraku, atores manipulam os bonecos em cena

Crítica publicada em O Diário –  Caderno A
Por Valmir Santos – Mogi das Cruzes, 29.07.1993

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Beckett Humaniza o Absurdo
Teatro de bonecos do grupo Sobrevento encanta com obras do
ator

É o tipo de desafio que resulta surpreendente e agradável. Unir o teatro do absurdo do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, profundamente existencialista e sombrio, com o teatro de bonecos e toda carga lúdica que está por trás dele, é a proeza do espetáculo Beckett, que o grupo carioca Sobrevento encena na Capital.

Beckett mostra três textos do autor de Esperando Godot, prêmio Nobel de 1969: Ato Sem Palavra 1 (1956), Ato Sem Palavra 2 (1959) e Improviso de Ohio (1981) foram concebidas, em princípio, para atores. Mas são os bonecos do Sobrevento que entram em cena. Eles são manipulados, na maioria das vezes, por seis mãos. Descartam-se aqui varas ou fios, seguindo a técnica milenar japonesa do Bunraku.

A grande magia de Beckett é que o esteticismo dos bonecos (eles são brancos), a predominância do preto no palco (desde a roupa dos manipuladores até o cenário), enfim, tudo isso não implica distanciamento. Ao contrário, a encenação emociona e tem lá suas pitadas de humor.

Samuel Beckett retrata a angústia da busca humana diante da vida em Ato Sem Palavra 1, onde o boneco (homem) tenta alcançar uma garrafa suspensa. É quando o óbvio dissimula-se. Depois vem Ato Sem Palavra 2, com mais dois bonecos. O tempo agora é o centro da questão. O cotidiano sob a regência dos ponteiros. A hora marcada para tudo e a necessidade de um tempo verdadeiro, que valha a pena ter, ser passado.

É quando os manipuladores Sandra Vargas, Miguel Vellinho e Luiz André Cherubini (também diretor) deixam mais transparente o ator no palco. A única parte do corpo que não escondem é o rosto, cujas expressões como que acompanham os sentimentos dos bonecos.

Só a terceira parte do espetáculo, Improviso de Ohio, quando os bonecos não entram em cena, torna Beckett um tanto cansativo em seu final. Mas louva-se a iniciativa do Sobrevento em priorizar também o trabalho do ator. Não se pode deixar de citar a presença do violino de Queca Vieira, que faz a sonoplastia da peça ao vivo, em perfeita harmonia com os bonecos.

Serviço:
Beckett – De Samuel Beckett. Com o grupo Sobrevento. Centro Cultural São Paulo, Sala Paulo Emílio Salles Gomes, Rua Vergueiro, 1.000, tel. 278-9787. Até dia 29 de agosto.