(INFORMAÇÕES DO PROGRAMA)
(Capa)
Centro Cultural Banco do Brasil
apresenta
NOITE DE REIS
de Sakespeare
(Verso da Capa)
Noite de Reis (Twelft Night), a mais romântica das comédias de Shakespeare, é um tributo à alegria, especialmente aquela que nasce com o amor. As peripécias sentimentais de Viola, a náufraga, para obter o afeto do Duque de Orsino, que ama Olívia, tendo pela frente o mesquinho Malvólio, são tramadas num clima festivo, gregário, cheio décor e movimento num país imaginário onde a Lei não raro cede à astúcia do desejo.
A peça, que remete à décima segunda noite depois do Natal, foi escrita sob encomenda e está baseada em fontes que remontam a Plauto assim como em novelas renascentistas.Logros, cartas falsas, travestismos, revelações engendram um enredo animado,do começo ao fim, por um humor e inteligência que não excluem a leveza, isto é, o respeito à generosidade com que se expande a vida. Esse tom, no entanto, mostra-se rico de ressonâncias culturais que modernamente seriam estudadas sob os conceitos-chave de carnavalização e dos ritos de passagem.
Ao encenar Noite de Reis, o centro Cultural Banco do Brasil oferece ao público um trabalho que acentua principalmente o jogo teatral, o desenho com gestos e palavras, a mecânica de uma ação e seu desenlace, o destino feito erros e acertos na arte de representar. Tudo aquilo que, aliado à potência espiritual de Shakespeare, tornou-o um autor para todas as épocas.
Centro Cultural Banco do Brasil
“Onde não há ilusão não há ilíria”
Oscar Wilde
“Que país é este, meus amigos?”, pergunta Viola, ao entrar em cena – e esta é uma pergunta que o público tem está se fazendo desde então. Noite de Reis nos leva a uma terra onde tudo o que jamais sonhamos acontecer e que jamais ousamos, se torna possível. Os homens podem tornar-se mulheres que se tornam homens e se apaixonam por outros homens que amam mulheres que são homens e que só amam homens enquanto mulheres. Criados se acham autorizados a amar patrões, mulheres se acham no direito de cortejar homens, bobos demonstram que são sábios e os que se creem sábios podem ser levados ao ridículo. Através do Tâmisa, partindo da grande cidade de Londres, Shakespeare e sua Companhia de Atores levam seu público a uma terra que, como festa, o bobo diz na peça, “nada do que é, é”.
“Vendo nossos atores em roupas de mulher, como saber o que pretendem?”
(Thomas Heywood, Apology for Actor, 1612)
O teatro elizabetano era construído fora dos limites da cidade, numa área conhecida como “The Liberties” (“As Liberdades”), em meio a bordéis, casas-de-jogo, asilos, colônias de leprososos e pátios de execução. Longe do centro do poder civil, da pompa, da autoridade, esses novos palcos eram um foro público, mas periférico, para o tumulto das ideias e do pensamento que caracteriza a sede da Renascença por experiências e descobertas. Os perigos que esses novos palcos traziam à “política do corpo” podem ser vistos nos ataques que surgiram contra a pecaminosa e perturbadora prática da profissão de ator. Enquanto os falsos reis e conquistadores se pavoneavam em seus tablados, os puritanos escreviam panfletos denunciando suas cabriolas como sexualmente e politicamente desequilibradas. E nada era mais suspeito do que o fato de que todas as mulheres jovens nas peças eram representadas por rapazes. Noite de Reis vagueia nas confusões do desejado não é o corpo que pode ser visto. Diferenças de gênero não eram de modo algum fixas ou estáveis, na época, pois o pensamento renascentista acreditava que a genitália feminina fosse simplesmente uma versão oculta daquilo que no homem era aparente. Contavam-se histórias fantásticas de moças cujos gestos vigorosos resultavam no desenvolvimento ou revelação da genitália masculina. A punição vinha rápida e terrível para todo aquele que ousasse cruzar as barreiras de sexo e gênero, mas ainda assim as histórias fabulosas de mulheres que descobriam que estavam casadas com homens que na realidade eram mulheres continuavam a circular, ao mesmo tempo em que homens continuavam a se disfarçar de mulheres para atrair homens que na verdade preferiam… adivinhem o quê…
“O mesmo rosto e voz, porém são dois!
Ilusão natural que é e não é!”
(noite de Reis, 5º ator – cena 11)
Que melhor maneira pode haver de corporificar esta ambiguidade sexual e de gênero do que na invenção de gêmeos (masculino e feminino) náufragos, flagrados na flor da idade adulta? Assim como os teatros eram construídos em solo marginal e transicional, igualmente Viola e Sebastião em Noite de Reis não são totalmente nada, ficando um entre menino e homem, a outra entre menina e mulher, sendo igualmente imprecisos homem e mulher, entre criado e patrão, entre achado e perdido,entre ser amado e amante. Seus seres insubstanciais, permitem que o erotismo instável e desviante da peça se desdobre. Eles são insubstanciais como o próprio teatro e ainda assim sua substância é o que é desejado e sonhado e temido no decurso da peça. Não admira que os puritanos tivessem procurado esmagar esses atores.Não admira que Malvólio permaneça ereto e imutável ante as transformações que são encenadas em torno dele e que passam por ele. O teatro trata de mudança e da possibilidade que todos temos de ocupar outros mundos – de desestabilizar nossas vidas. Nada é mais capaz de aterrorizar os que querem preservar e petrificar o mundo que lhes parece seguro. O teatro de Shakespeare não oferece tal segurança. Noite de Reis retira seu encanto da criação de um mundo que é e não é. Podemos nós começar a ver nossos desejos, nossos receios, nossas fantasias, nossas esperanças, nossas ilusões neste espaço entre ser e não ser? Poderemos encontrar Ilíria aqui, hoje?
(Interior – Fotos dos Atores)
Noite de Reis
de Shakespeare
“Pega-se a peste assim tão de repente?”
Olívia (1º ato – cena 5)
1 – O Duque ama a Condessa, que ama o Pagem que ama o Duque
2 – A Condessa ama Pagem que ama o Duque que ama a Condessa.
3 – Pagem ama o Duque, que ama a Condessa, que ama o Pagem.
4 – André (que diz que um dia também foi amado) ama a Condessa, que ama o Pagem, que ama o duque.
5 – Malvólio (que nunca foi amado) também ama a Condessa, que ama o Pagem, etc. etc.
6 – Antônio ama Sebastião que é gêmeo do Pagem, que ama o Duque, que ama a Condessa, que ama o Pagem que é irmão de Sebastião. Que ama a Condessa, que é amada (?) por Malvólio, a quem ninguém ama.
“Se está escrito, há de ser – pois seja assim”
Olívia (1º ato – cena 5)
“Vagabundo inútil… Palhaços de rua”
Malvólio (1º ato – cena 5)
Malvólio: má-vontade, mau-humor, pretensão e ambição, Insulta Feste, a festa, o humor, a liberdade, a sabedoria do saber sem instrução – espécie em extinção? – tradição sem tradição? – saber a margem do poder – e livre do poder
Maria, a criada, e seus amigos vão à luta para se vingarem dos insultos e incômodos que ela e todos recebem do arrogante intendente burguês do avançado e poderoso palácio da Condessa Olivia.
“Com Malvólio louco, o palácio ficará mais tranquilo”
Maria (3º ato – cena 4)
As armas – os recursos do humor, da brincadeira, do prazer de viver, do teatro – aos quais Malvólio tanto se opõe. Vingança inconsumensarável e sem limites de crueldade.
Muitos acham que Shakespeare, exagerou no castigo ao falso e ambicioso puritano ascendente.
Nós não, nós concordamos com Maria, Tobias, Fabiano e sua turma, e com Shakespeare, evidentemente. A “ofensa” que Malvóliotraz a nós todos, bufões ou não, atravessa os tempos e não tem limites. E dura até hoje.
“Depressa, em nome da brincadeira”
Maria ( 2° ato – cena 5)
Proféticamente a última fala relevante da peça é de Malvólio, Shakespeare sabia o que estava paravir junto com todas as modificações que o capitalismo protestante começava a trazer. Hoje elas existem e aí estão, admitidas e assumidas por todos nós, como valores absolutos e imutáveis.
A ideologia virou eternidade e permanência.
Malvólio sai de cena derrotado pelos palhaços-bufões, mas volta depois vitorioso na história, no teatro e na vida dos homens.
“Eu hei deme vingar desta quadrilha”
Malvólio (5º ato – cena final)
Eu Shakespeare e a Rua
O verdadeiro teatro, por completo, eu aprendi a conhecer e reconhecer me apresentando nas ruas para uma plateia absolutamente hetenogêna, com todas as representações de estratificação social presentes.
Os procedimentos a que esta plateia me obriga me remetia cada vez mais a Shakespeare.
Aprendi a conhecê-lo, e sou também agradecido a ele, como Brecht o foi, Shakespeare, nosso contemporâneo e nosso colega de trabalho habitante dos bastidores dos teatros e não dos salões das academias.
Sua paixão pelo Teatro está inserida em cada linha que escreve para ser representada. Ele gosta de nós e nós gostamos dele. Sua modernidade é evidente quando o encaramos desta maneira.
Shakespeare é moderno e aponta caminhos para quem quer recuperar o amor e a antiga paixão pelo Teatro, hoje tão enfraquecidos e amarelados pelas conquistas da “modernidade virtual”.
Nós nos alimentamos dele, o cinema se alimenta de suas histórias, os atores se alimentam e se reciclam com ele.
E foi a rua de hoje, com sua plateia heterogênea, iguala do teatro elizabetano de ontem, que me fez compreendê-lo e a seus procedimentos dramatúrgicos.
Ele não escreveu para as plateias burguesas homogêneas, mas para o ser humano, livre da prisão das ideologias.
Malvólio só tomou conta do Teatro depois que Shakespeare morreu. E se quisermos evitar que o Teatro morra, temos que retirá-lo das mãos do falso puritano e intelectual e devolvê-lo a quem de direito.
Tirar o teatro das malhas da literatura e devolvê-lo ao bufão ignorante da humanidade, fazendo seus textos e dizendo suas verdades em troca de uma moeda ou duas. Só.
Devolver ao Teatro a indignidade perdida, que tanto incomoda os pré-conceitos malvolianos.
“A Ignorância é a única escuridão que existe”.
Feste (4º ato – cena 2)
Muito mais seria possível escrever sobre esta peça e sobre o teatro shakespereano. O humor, a aventura, a sexualidade dúbia e moderna do texto, a paixão e a poesia. Mas Istoé melhor ver, absorver e usufruir com o espetáculo.
Se os senhores sentirem, ao ver-nos e ouvirmos-nos, a metade do prazer que sentimos ao fazê-lo tudo estará dando certo.
Ave Shakespeare, nós atores o saudamos!
Amir Haddad
(Verso da Última Capa)
Noite de Reis
de Shakespeare
Felipe Rocha
“Esta viagem que decidi fazer não tem rumo certo”
(Sebastião, 2º ato – cena 1)
Renata Sirrah
“Ah, que a seus olhos mostrei demais; fino véu, não meu peito cobre o meu coração”
(Olívia, 3º ato – cena 1)
Daniel Dantas
“Se a música alimenta o amor, tocai, daí-me dela em excesso”
(Orsino, 1º ato – cena 1)
Sandro Valério
“As palavras ficaram tão falsas, que não me agrada usá-las para me explicar”
Bobo, 3º ato – cena 1)
Bernardo Guerreiro
“Se o Duque continuar lhe prestigiando asiim, Cesário, você vai longe”
(Valentino, 1º ato – cena 4)
Pedro Cardoso
“Não sou louco!”
(Malvólio, 4º ato – cena 2)
Marcelo Vianna
“O grande faz, o pequeno comenta”
Capitão, 1º ato – cena 2)
João Grilo
“É este o homem. Faça seu trabalho”
(1º guarda, 3º ato – cena 4)
André Gonçalves
“A graça na maldade que ora vemos deve levar ao riso – não vingança”
(Fabiano, 5º ato – cena única)
Claudio Mendes
“Tenho certeza que as preocupações são o inimigo da vida”
(Tobias, 1º ato – cena 3)
Érico de Freitas
“Dê no que der, pois tanto me encantou, que o perigo é brinquedo: eu também vou”
(Antonio, 2º ato – cena 1)
Tonico Pereira
“Muito bom enforcamento evita casamentos ruins”
(Bobo, 1º ato – cena 5)
Cláudia Abreu
“Quem muito brinca com as palavras logo enfrenta sua rebeldia”
(Viola, 3º ato – cena 1)
Malu Valle
“Depressa, em nome da brincadeira”
Maria, – 2º ato – cena 1)
Ivo Fernandes
“Também já fui adorado, uma vez”
(André, 2º ato – cena 3)
(Última Página)
Claudia Abrue: Viola
Renata Sorrah: Olívia
Daniel Dantas: Duque Orsino
Pedro Cardoso: Malvólio
Tonico Pereira: Bobo Feste
André Gonçalves: Fabiano
Malu Valle: Maria
Claudio Mendes: Tobias
Ivo Fernandes: André
Erico De Freiras: Antonio
Felipe Rocha: Sebastião
Marcelo Vianna: Capitão / Padre
Bernardo Guerreiro: Valentino / Criado de Olivia / 1º Oficial
João Grilo: Curio / 2º Oficial
Sandro Valério: Guarda
Músicos
Murilo Barquete / Pauxy Gintil Nunes: Flauta
Elisa Viermann / Claudia Marques: Teclado
Luciano Vaz / João Guilherme: Violoncelo
Direção: Amir Haddad
Cenário: Hélio Eichbauer
Figurino: Biza Vianna
Dramaturgia: Paul Heritage
Tradução: Jorge Wanderley
Direção Musical e Música: Tim Recala
Iluminação: Aurélio de Simoni
Preparação Corporal: Rosella Terranova
Produção: Comunicativo Produções Artísticas Ltda.
Produção Executiva: Sula Villela
Assistente de direção: Lucy Mafra /João Grilo
Assistente de Produção: Ana Lúcia Menezes / Juliana Freire / Tina de Oliveira
Assistente de Figurino: Lilian Bertin
Adereços: Beto Silva
Máscaras: Marcílio Barroco
Artesgrima: Gaspar Filho / Renato Rocha
Maquiagem e caracterização: Maria Lúcia Matos
Maquiadora: Valéria Montezuma
Assessoria de Imprensa: Cleuza Maria / Ana Deák
Cenotécnico: Humberto Silva e equipe
Diretor de cena: Marcelo Gomes
Camareira: Arminda Meireles / Mabel Mendes
Costureira: Maria Vendete / Lourdinha
Assistente de Iluminação: João Antonio
Montagem de Luz: Jorge Manhães / Guiga Ensa
Serviços Gerais: Marcelo Eduardo
Administração: Ivo Fernandes / Sula Villela
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Agradecimentos
Maria Padilha, Roberto Bonfim, Ary Coslov, Grupo Tá na Rua, equipe do Centro Cultural Banco do Brasil, Moacyr Góes, Teatro Carlos Gomes, Fátima Rebello, Lula Braga, Jaime Arôxa
Cartaz e Programa
Projeto: Felipe Taborda / Flavio Mario
Fotos: Claudia Garcia
Designsr Assistentes: Andrea Bezerra / Alex Northfleet
ao de Outubro a 21 de dezembro de 1997
Quarta a domingo – 19h – Teatro 1
Centro Cultural Banco do Brasil
Rua 1º de Março, 66 – Centro
200010-000 – Rio de Janeiro – Tel.: (021) 216.0237
(Logos) CCBB, Lei de Incentivo a Cultura