Cartaz da apresentação na Sala Ester Leão da UNIRIO, em 30.06.1988

Programa, 1988

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(INFORMAÇÕES DO PROGRAMA)

(Capa: Desenho)

TODOS OS QUE CAEM

(Interior)

Todos os que Caem

Ficha Técnica

Peça Radiofônica de Samuel Beckett

Tradução: Fátima Saadi
Direção: Antonio Guedes
Assessoria Teórica: Fátima Saadi
Programa: Genilda Maria
Capa: Solange Fabião
Técnico de Gravação: Cláudio Chaves,Chiquinho Rota

Elenco

(Por ordem de entrada)
Maddy Rooney: Cecília Loyola
Christy: Beto Tibaji
Mr. Tyler: José Evergisto
Mr. Slocum: Silas Andrade
Tommy: Luis Carlos Persegani
Mr. Barrel: Miguel Vellinho
Voz de Mulher: Patrícia d”Angelo
Dan Rooney Luiz André Cherubini
Jerry: Gabriel Muniz
Gritos de criança: Tatiana Diogo Coimbra

Aos que Ouvem…

Beckett sabia muito bem qual a operação que a indústria cultural realiza com o objeto artístico. Não há mais a sala de espetáculos a assegurar-lhe o lacre de obra de arte. O rádio, bem como a televisão, tem o poder demencial de tornar todos os ouvintes iguais, sujeitos a uma programação estandardizada: Tv e rádio se auto-definem como indústria, não têm mais necessidade de serem embalados como arte – tornar-se-ão mercadoria.

Todos os que Caem escapa a essa estandardização pedagógica do mundo, como a rádio-novela tradicional. Beckett não satisfaz a velha experiência do ouvinte de rádio para quem a novela é a continuação da vida lá fora e vice-versa.

Em Todos os que Caem Beckett não está interessado em conduzir acompanhamento e compreensão do ouvinte. A ruptura que efetua também se dá ao nível da linguagem radiofônica.

Nas convencionais novelas de rádio, o ouvinte é estimulado ao acompanhamento da obra através de pistas e índicios que conduzem a uma revelação posterior. A sucessão de acontecimentos, cenas, detalhes se dá de maneira rápida e transitória incitando à decifração. Enquanto o ouvinte persegue o sentido não lhe sobra tempo de contemplar o pathos da obra.

Em Todos os que Caem o recurso convencional de simultaneidade entre falas e sons (ambientação sonora) ao contrário de reproduzir a natureza vem decompô-la, “recriando-a” no estúdio.

Aqui tampouco existe trilha sonora; a única música que se ouve na peça é A Donzela e a Morte de Schubert, que muito mais que paisagem auditiva, se torna “cenário”: ela é uma casa caindo aos pedaços na beira da estrada onde mora uma velha. Ela marca ainda o início e o término do trajeto de Mrs. Rooney.

Beckett brinca com os recursos radiofônicos, explicitando-os e criando sua própria convenção: o silêncio é o espaço necessário para a aparição da palavra. E a palavra cria a natureza. Os personagens anunciam os sons da natureza, como imediatamente ouviremos.

Realizando uma verdadeira autópsia do teatro naturalista o autor ressuscita-nos a Cena viva: a identidade única da cena que não remete a coisa alguma que não ela mesma. Um teatro que recusa-se a “representar” a vida, a ter uma finalidade outra que não a finalidade estética.

A ação de Todos os que Caem é o percurso de ida e volta de Mrs. Rooney – de sua casa à estação de trem: percurso físico de passos arrastados que podemos ouvir; percurso de palavras que lhe caem da boca de maneira compulsiva. A via sacra dos Rooney é circular, voltando sempre ao ponto de origem, vai de nada a lugar nenhum.

Para Mrs. Rooney sair é suicídio certo, ficar em casa é apagar-se pouco a pouco. O caminho do cego Mr. Rooney é povoado de obstáculos insignificantes: degraus, meio-fio, crianças que lhe jogam lama, ele está literalmente perdido. A trajetória vida/morte dos Rooney começa cômica e acaba por desembocar no horror e pânico.

Beckett, ironicamente, nos faz pensar que tudo está se movimentando, indo de um lugar para o outro, seja a pé, de mula, bicicleta ou caminhonete, estamos todos indo para o mesmo lugar.

Com passos arrastados, carregando nosso destino inexorável, alguns laivos de memória do passado, a desesperança no futuro, enfrentamos a chuva e o vento indo todos na mesma direção.

Genilda Maria

(Última Capa)