Programa, 1987

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(INFORMAÇÕES DO PROGRAMA)

(Capa)

A Escola de Teatro Martins Penna

OS AMANTES DO METRÔ

de Jean Tardieu
Direção: Renato Icarahy

(Folha 01)

A Escola de Teatro Martins Penna
apresenta

Os Amantes do Metrô

de Jean Tardieu
Tradução e Direção Renato Icarahy

Elenco

Maurício Marques: Ele
Sílvia de Castro: Ela
Meiry Castelly: A primeira mulher do mundo, a amiga do coração e a primeira estrangeira elegante
Ana Bandarra: A segunda mulher do mundo, a velha solteirona, a segunda estrangeira elegante e o  protetor
Lenir Frazão: A senhora apressada e a estudante
Fátima Patrício: A senhora manca, a moça e o Interprete
Mário César Mendes: O senhor pretensioso, o leitor leigo, o primeiro senhor idoso e o leitor de jornais
Rogério Freitas: O leitor eclesiástico, o o estudante, o segundo senhor idoso, o trbalhador compreensivo
Suely Deslandes: A senhora-ofendida-mas-provocante
Carla Xavier: A star-imaginária (que não passa de uma costureira)
Ana Brasil: O indivíduo prestes-afundir-se-na multidão

(Folha 02)

Ficha Técnica

Cenário e Figurino: Teresa Ribas
Direção Musical e Música: Charles Kahn
Preparação musical: Amaryllis Pinho
Preparação Vocal: Rose Gonçalves
Preparação Corporal: Flor Duarte
Apoio em Mímica: Mário César Mendes
Músico: Nilton Cardoso
Operador de Som: Marco Antonio Brás
Iluminação: Renato Icarahy
Cartaz e programa: Mário César Mendes
Pintura Cênica: Odilon Lima, Altair Melgaço, Mário César Mendes
Direção de Produção: Loly Nunes
Assistência Geral: Beatriz Resende
Tradução e Direção; Renato Icarahy

(Folha 03)

Introdução à Vida

Como falar, se esquecemos todos os nomes?

Como nomear seres e coisas a não ser pelos gestos que fazemos em direção a eles ou pelos movimentos que os conduzem até nós?

Eu caminhava, a passos medidos, por este mundo enigmático e repleto, onde cada visão me questionava.

Eis a primeira hora: a dos deslumbramentos. Da frustração dos sonhos e de assombros em frangalhos, eu surgia, jovem e disposto, pleno de tudo que ignoro e só querendo conhecer.

Quem era você, você que nada sabe em meio a estas presenças que se calam e resmungam ou gemem; todas, de alguma forma, provocam você fazendo chegar ao amor e à angústia?

Quem era esse adormecido, essa presa ofertada, essa vítima indefesa?

Incapaz de imaginar o ser que você foi, talvez se lembre de algum caos insondável onde tudo era só ressacas e torrentes, extensões, fusões e redemoinhos, sulcos opacos nas matizes das marés obscuras.

Um toque de gongo rompe o encantamento e eis a outra face dessa incongruência! Nada adiante disso, nada detrás.

Ali, ao menos, tudo parecia ter sentido. Digo “parecia”, mas quem fazia essa pergunta? São esses nossos costumes de seres que procuram um porquê. Fora da linguagem, tudo morre, tanto a lei como os deuses.

Ali, eu podia ser apenas esta coisa que observa, que ouve e que pensa compreender: eu povoava de lembranças, emoções e de ternura mil aparências que o tempo esgotava num piscar de olhos, e minha paixão continha-se nesse breve instante em que se acredita captar o que escapa.

Mas que, de início, tudo se situa e se acomoda nos quatro cantos do espaço. Esses objetos incomensuráveis pareciam fixos para sempre e nos acolhiam para me reconfortar, pois o movimento que os leva tem mais estabilidade do que se tivessem sido embalsamados pela morte.

Pressentia o jogo dos números que os unia ao outro.

Desciam então, lentamente, dessas alturas até mim vislumbres, sombras que docemente se misturavam à chama e suas distantes fornalhas, atenuadas por nossas trevas, formavam o reduto onde se mantém uma alma temperada.

Por toda parte, ao meu redor, essa qualidade que se chama vida despertava e me alcançava por pequenos toques. Numa vasta imensidão colorida, eu avançava e conheci o milagre deste passo que nos liga e deste olhar que nos leva para longe, destes obstáculos que ecoam e deste elemento que cede a todos os nossos gestos.

Ao mesmo tempo estou aqui e lá, numa inércia sem remédio e numa liberdade sem amarras.

Caminho, existo, olho – e estou sem memória, mergulhado numa torrente deliciosa.

Aí está você, verdadeiro sono do ser, esquecimento de tudo que não seja o instante! O outro sono é apenas ausência.

                                                  Jean Tardieu, In: Pages d’ecriture. Tradução Beatriz Resende

(Folha 04)

O Texto

Escrito em 1951, Os Amantes do Metrô pertence à categoria de poemas dramáticos, poèmes à jouer, que, pelo aspecto lírico, não se enquadram exatamente no movimento de teatro do absurdo propriamente dito.

A presença do lírico no dramático é um ponto importante do texto, lírico no sentido de “tomar ao coração”, recordação: reviver a emoção, revelando constantemente a questão da fugacidade, do instante, da brevidade, da ruptura. Dá-se o romper dos códigos, códigos da língua, do dramático, das regras de relação de gênero. Através deste aspecto, paralelamente ao massificante, caminha o sonho de cada personagem, naquilo que desejariam ser, preocupados em diferenciar-se na multidão:

“Não é um só! Não são dois! Nem três! São três multiplicados por cem, multiplicados por três…multiplicados por mil ao quadrado, que é multiplicado por dez mais trinta menos catorze, mais dois mil (…) Todos mais todos a areia, mais todos o mar, mais os outros ninguém!”.

Tardeu revela profunda simpatia pelos dois amantes, sem fazer do texto uma prosaica “história de amor”. Recolhe estas duas personagens do cotidiano, do anonimato e as reúne em seu universo poético, dando-lhes uma dimensão quase neorromântica, quixotesca e ao mesmo tempo banal, A simplicidade de serem comuns. São “Maria, Inês, Eva, Raquel, Justina” que se encontram com “Lourenço, Emílio, Vítor, César”. Tal como os outros personagens, eles também encontram uma maneira de se destacarem da multidão ao identificarem-se, ao tornarem-se únicos:

“Ela: Eu queria ser você.

Ele: Você sou eu.

Ela: Para você, em volta de você.

Ele: Por você, para você, através de você.

Ela: Ser um para o outro.

Ele: Um só ser.”

“Ela: Eu olho para você me reconheço. Eu sou porque você é”.

O espaço do metrô é um espaço artificial, um espaço criado, e tudo se passa nesse espaço das máquinas. A natureza não existe neste espaço. Foi tudo criação do homem, mas resta o homem, a relação que guarda simbolizada no texto pelo dentro/fora do metrô: é uma massa amorfa e são indivíduos dentro do metrô.

“Todos igual a um mais um”.

                                                                                                               Sílvia de Castro

(Folha 05)

Montando Os Amantes do Metrô

Em Os Amantes do Metrô, os personagens se movem numa mímica de aparência estranha e insólita de seres desconhecidos que são, quando, num lapso de tempo, cruzam um local público. Entretanto, em vários momentos, suas vozes desprendem-se da multidão e os vemos sonhar. Entre os vinte e três personagens anônimos aparecem “ A amiga do coração”, “A estudante”, “ A velha solteirona”, “As estrangeiras elegantes”, A senhora-ofendida-mas-provocante”, “O leitor de jornais”, A star-imaginária”, “O trabalhador compreensivo”, “O protetor”, “O indivíduo-prestes- a fundir-se-na-multidão”, “os amantes do metrô”, que, afogados no massificante metrô, podem por breves momentos se revelar como indivíduos, ainda que fundidos na multidão, anônimos e solitários em seus sonhos.

A montagem busca valorizar essas duas linhas superpondo imagens da mecanização e do sonho. A paixão esbarra na máquina, gerando uma luta em que a arte e a criação são formas de se destacar do anonimato.

Para criar o espetáculo, utilizamo-nos do recurso da estilização tanto nos figurinos e cenário quanto na construção das personagens. Acrescentamos a “ginga” brasileira, os tipos brasileiros, traduzindo o metrô de Paris pelo do Rio. Esteticamente, procuramos a síntese, cada signo sendo representado com o menor e mais preciso número de traços, daí a economia do espetáculo, no qual o emissor de signos é sobretudo o ator.

O trabalho de criação do espetáculo foi uma experiência coletiva, de descobertas em comum, e a vivacidade, a beleza, a paixão do nosso espetáculo está em executarmos aquilo que entendemos, tentando romper com as tradicionais propostas de “montagem de escola”, mas reconhecendo também os perigos de radicalismos vanguardistas. Não tememos a vanguarda, acreditamos poder compatibilizar o absurdo, o melodramático, a história de amor, conjugando-os. Ao lado da vanguarda, a “retaguarda”.

Munidos da reflexão provocada pela peça, questionamos nosso papel como artistas e nossa saída de uma escola de teatro para um mercado de trabalho.

Jean Tardeu refere-se à peça como “um balé cômico, sem dança e sem música”. Nossa montagem, em suma, obedece estrategicamente a este subtítulo, deixando ao espectador a possibilidade de enternecer-se com esta proposta e viajar conosco neste metrô. Vale deixar as portas abertas.

                                                                                                        Sílvia de Castro

(Folhas 06 e 07)

Trechos de debate realizado entre o elenco, o diretor da montagem, Renato Icarahy e a professora de análise de texto e diretora da Escola de Teatro Martins Pena, Beatriz Resende. Transcrição de Sílvia de Castro.

Renato: Jean Tardeu é um precursor do Teatro do Absurdo e Os Amantes do Metrô é um texto inédito no Brasil. É um texto repleto de possibilidades para montagem junto a jovens atores que estejam saindo de uma escola de teatro sem que fiquem com ar de escola. É evidente a adequação do texto a uma turma com tipos, idades e pesos variados, mantendo a possibilidade de competição, a nível dramatúrgico, com outros textos que estão sendo montados por suas características de contemporaneidade e até por uma densidade do texto. É a perplexidade de Tardieu diante da maquinização quer é expressa pelo metrô e, ao mesmo tempo, é a questão da arte, de alguma forma simbolizada pela relação de amor, pelo amor esbarrando com o anonimizante metrô.

Beá: Fica bem nítida a intencionalidade de Renato na escolha do texto a ser encenado. Não foi uma escolha aleatória. Ela revela um entendimento muito claro do que é uma proposta de montagem da escola de teatro e do que é o teatro hoje. São jovens atores, montando uma peça na escola e levando para fora, para o público desconhecido, num momento do fim deste século. E aí eu acho que tem tudo a ver. É um texto onde a questão do público e do privado é fundamental, e do dentro/fora. A peça toda se passa no interior do metrô e, em algum momento, a saída vai ter que ser encontrada. Acaba sendo uma metáfora muito bonita do momento que esses jovens estão vivendo. Desse ritual de passagem, ritual de iniciação. A gente está aqui dentro, fechado neste palco e também protegido. Mas está na hora de preparar a saída; ao mesmo tempo, a gente está fazendo alguma coisa levada por essa nossa paixão. A peça é sobre a sobrevivência da paixão e é pela sobrevivência da paixão que vocês se tornaram atores.

Renato: Houve um trabalho, especialmente de corpo, onde a gente compôs até diferente do que Tardieu sugere em suas rubricas, mas tentando seguir sua linha dramatúrgica, tentando adivinhar, re-adivinhar o que ele pensou. Foi um trabalho de reconstruir depois de dada, depois do living-theatre, depois de tantos trabalhos de vanguarda, tentando reler Tardieu. A busca realista, não exatamente do real, mas do real que está por trás dos absurdos. Não é uma busca da caracterização, que talvez fosse a linha seguida por Tardieu, mas de uma estilização, e a busca do traço curto, do uso da cor, do pequeno gesto e do grande gesto, muito sintético, muito limpo.

Beá: Isso ficou muito interessante. Daí a necessidade de cada gesto, de cada tom, de cada colocação de voz precisa. Evitando o equívoco desse teatro berrado, descabelado, a que a insegurança do jovem diretor leva. Nesse sentido, acho que foi uma proposta muito corajosa, um desafio colocado ao Renato e ao grupo que encontrou resposta. Acho muito bonito na peça esse movimento de tema e de coreografia de um juntar e separar onde há sempre uma doçura que faz a passagem. Há a dificuldade, mas há essa doçura que abre caminho.

Renato: É… e preparar isso também foi fascinante.  Foi junto. Existiu a criação coletiva mesmo de um espetáculo. Não houve um ponto de vista prévio meu para começar a fazer. Eu fui observando à medida em que a turma foi me dando, fui criando junto com ela. A proposta só pode existir diante da flexibilidade, de poder observar o que os atores tinham de efetivo que pudesse se encaixar dentro dessa linha em que tentei levar a direção.

(Folha 08)

Agradecimentos

Eduardo Portella, Secretário de Estado de Cultura
Carlos Miranda, Presidente do INACEN
Sergio Sanz, Diretor de Audiovisual do INACEN
Arthur Machado, Presidente da AMETEMPE
Claudinete Gonçalves
Hamilton de Souza, Marcelo Reis, Sergio Assumpção: Edição e Gravação
Central Técnica de Produções Teatrais de Inhaúma
Luiz Renato Bueno, Cia. Metalúrgica Barbará
Cecil Cotin, Aliança Francesa
13º BMP
GIG Saladas
Razão Social
Armindo Blanco, INACEN
Jane Roma Felix
Ailton Botelho
Raimunda Castro
Pietro Carnevale
Claudio Dias
Soares/Brandão, Serigrafia Arte & Serviço
José Galdino – Central Técnica de Produções Teatrais de Inhaúma

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