Amigo Ido… Catibiribido texto e direção de José Luís Rodi, em cartaz no Teatro Cândido Mendes

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 08.05.1981

 

Será Possível Recuperar um brinquedo perdido?

Um dos aprendizados mais difíceis para qualquer um é, sem dúvida, o da escolha. E, se nunca chegamos mesmo a conviver bem com a necessidade de escolher, começa cedo o aprendizado. Se “ser criança” implica geralmente em que alguém vai escolher pela gente o colégio, os passeios, as roupas e até a hora de comer ou sentir frio ou calor; nunca se escapa de todo as escolhas. Dentre as diversas crianças que se conhece porque se prefere essa ou aquela? Por que se deixa de gostar de algum amigo de repente? Por que a preferência pela professora de história e não pela de matemática? A resposta nunca se sabe ao certo. Quando a gente percebe já deixou de lado um monte de coisas e optou por outras. Escolhas que vão se fazer sempre acompanhar de uma maior ou menor sensação de perda. E o que se deixou de lado parece ficar martelando na cabeça da gente, como você o simples fato de ter optado por outra coisa não fosse suficiente para tirar de cena, de todo, o que se perdeu. É como se o objeto ou o caminho escolhido estivessem obrigados a conviver com tudo o que não se quis. Basta, às vezes, olhar um brinquedo para que venham a cabeça inúmeros outros que se deixou de ganhar por preferir aquele. Chega-se a ter até raiva do que se escolheu, sobretudo à medida que se vai crescendo e o amontoado de perdas e caminhos jogados fora parece cada vez maior. Meio como se crescer fosse queimando um número cada vez maior de caminhos e escolhas. E acumulando na cabeça uma sequência de cenas nunca realizadas que parecem doer tanto quanto o que já foi vivido.

Talvez uma das primeiras escolhas de que qualquer um sempre se lembra é a dos brinquedos preferidos. Por que detestar um trenzinho incrível e adorar uma lousa mágica? Por que preferir bonecos e brinquedos tão pequenos que mais parecem miniaturas? Por que guardar sempre apenas alguns desses brinquedos? É meio em torno a todas essas perguntas que se constrói o interesse central de um espetáculo como Amigo Ido… Catibiribido, com texto e direção de José Luiz Rodi, em cartaz no Teatro Cândido Mendes.

Amigo Ido… Catibiribido dura enquanto sonha uma menina. Sonho como qualquer outro onde os personagens se transformam a toda hora e figuras conhecidas como as de velhos bonecos podem virar o Sol e a Lua e nada causar a menor estranheza. Nem mesmo um vagalume desmemoriado e que diz sempre coisas aparentemente sem nexo até lembrar, em parte, de qualquer coisa. E o sonho surge para que a menina consiga recuperar sua boneca mais nova e preferida. Preferida mesmo sendo uma boneca falante cujo falador enguiçou. Mesmo perto de um palhaço e uma boneca de pano mais velhos, totalmente preteridos pelo brinquedo novo. E que, por sua vez, também tentam, ao menos no sonho, recuperar o amor da criança que os jogou de lado. Joga-se, sobretudo, com a vivência infantil do brinquedo como um companheiro, às vezes Amado a tal ponto que se tende a levá-lo para toda a parte, às vezes esquecido e deixado de lado. Por isso o envolvimento do espectador infantil com o espetáculo. Nele parece rever as suas próprias escolhas, perdas e a possibilidade de, quando menos se espera, um palhaço e uma boneca velhos ficarem mais importantes até do que a boneca mecânica mais nova. E sem querer se torce pelos brinquedos velhos, pelo que já foi Amado, mesmo sabendo que, a cada novo brinquedo, talvez fiquem de novo de lado, como enfeites meio velhos num quarto de criança. E Amigo Ido… Catibiribido só não alcança um melhor rendimento cênico pelo fraco desempenho das interpretações femininas e por uma certa vontade de “colocar coisas demais” na história. De fadas, vagalumes e lua a um circo. O que a lógica do sonho permite, mas o interesse pela questão central da peça não. E esse amontoado de situações acaba tirando um pouco do charme inicial da história da menina que busca a boneca perdida, e dos brinquedos que buscam o amor de quem já não liga mais para eles. Assim como uma certa pretensão do texto em ser “poético demais” também tira um pouco a graça de uma história que faz parte muito mais da vivência cotidiana concreta da criança, de suas perdas e escolhas, do que de um eventual “mundo da fantasia”. A busca do brinquedo Amado, e o “não gostar mais” dos outros são vividos com a mesma ansiedade porque você passa por situações idênticas. Olha-se sem entender para a preferência da menina pela boneca mecânica, como se se estivesse olhando para um espelho e para as próprias escolhas e preferências. Olha-se para o brinquedo predileto com certa raiva ponto e para os bonecos velhos como para tudo que já se deixou de lado. E, de repente, volta a doer como um machucado antigo.