Programa, 1972

Maria Pompeu e Heleno Prestes

Barra

(INFORMAÇÕES DO PROGRAMA)

(Capa)

TRANSA & TRANÇAS

Uma Consulta
de Arthur Azevedo

Elenco

Ele: Heleno Prestes
Ela: Maria Pompeu

Uma Vendedora de Recursos
de Gastão Tojeiro

Elenco

Alcides: Heleno Prestes
Bernardina: Dinorah Marzullo
Gilberta: Maria Pompeu

Ficha Técnica

Cenários e Figurinos: Marie Louise Nery
Direção: João das Neves

(Interior) 

I – Transas & Tranças

Qual o sentido de se reunir num só espetáculo Arthur Azevedo e Gastão Tojeiro?

Arthur Azevedo e Gastão Tojeiro têm vários pontos em comum.

Ambos foram e são, ainda hoje, muito representados, quase sempre com sucesso. Sua obra foi feita para atender a um mercado consumidor e nenhum dos dois teve a pretensão de que os contemporâneos ou a posteridade os transformasse em monstros sagrados. Não escreveram para críticos ou exegetas, escreveram para o público. O teatro de costumes, que se inicia no Brasil com Martins Pena e prossegue com França Junior, encontra nos dois, cada um a seu tempo, dois cultures extremamente talentosos.

Não é apenas por representarem a tradição do teatro de costumes no Brasil que eles estão juntos neste espetáculo. Uma Consulta e A Vendedora de Recursos foram escritas em 1901 e 1932, respectivamente.

A primeira, no alvorecer de um século que muito prometia ao ser humano, com suas maravilhosas conquistas científicas, tecnológicas e sociais. O mundo parecia se abrir num sorriso, os belos ideais venciam em toda a parte, a escravidão negra desaparecia, o liberalismo democrático ganhava asa, o colonialismo sofria os primeiros golpes, e a nova ordem, que surgira a partir da Revolução Francesa e se firmara no século anterior, estava agora madura para colher os primeiro frutos dourados da sua existência. As repúblicas floresciam, florescia a vida mundana. A despreocupação para com o futuro dominava a Belle Epoque com paris ditando os gostos, os costumes, exportando seus perfumes, sua moda, suas francesas, seu savoir vivre.

1932, data em que A Vendedora de Recursos é escrita, é quase o inverso. As ilusões do início do século haviam caído, a aventura bismarckiana, por demais realista, havia se encarregado de mostrar a verdadeira face dos novos senhores da terra. A última lufada de otimismo proporcionada pela vitória aliada de dezoito, o otimismo dos anos vinte, foi tragicamente sepultada pela crise econômica de 29. O mundo dos anos trinta é um mundo sombrio, repleto de incertezas e violência, caracterizado pela ascensão do nazi-fascismo. No campo das artes os diversos ismos herdados das duas décadas anteriores encontram aqui terreno fértil para a sua proliferação: o terreno minado pela incerteza e pelas frustrações. O dadaísmo proclamara a morte da palavra, os futuristas com Marinetti e Sant’Elia à frente preconizam a destruição do acervo cultural da humanidade e se associação abertamente às hostes fascistas. E o revanchismo alemão se alimentava na omissão e na cumplicidade da boa gente.

Mas, porque tanto blábláblá em torno de duas peças tão despretensiosas? Porque é em trabalhos como esses, trabalhos despretensiosos de dois autores artesanalmente perfeitos, que nós podemos, talvez com mais nitidez, perceber o verdadeiro espírito das épocas que as ditaram. Se não, vejamos:

Em Uma Consulta de Arthur Azevedo, pequena obra-prima de construção dramática, tudo transpira otimismo. As pessoas estão disponíveis, seu jogo é inocente, ingênuo e malicioso, elas não se impõem umas às outras. Se aceitam e se querem, cabendo a cada personagem resolver livremente o seu destino. Daí resulta uma comicidade leve, elegante, cheia de pequenas nuances, em que os personagens são espirituosos, sem grandes problemas e pouco aprofundados psicologicamente.

Já no trabalho de Tojeiro o clima é outro. À malícia sucede a grossura, ao espírito aberto à hipocrisia, às cores claras e ao desenho impreciso o contraste de cores berrantes e o desenho geométrico, mas de um geometrismo absurdo. Cada personagem tem a sua lógica particular que deve ser imposta aos demais. A intolerância marca as suas atitudes e o acordo, quando existe, resulta de uma barganha, de um toma lá dá cá, em que cada um procura tirar o máximo proveito. Surgem assim, embora de maneira ainda incipiente, personagens mais complexas, e o choque de suas vontades produz um clima em que o absurdo e o non-sense a miúde se insinuam.

Hoje, 70 anos após Uma Consulta ter sido escrita, nos parece quase impossível o refazer das esperanças que marcaram o início do século. Elas são apenas uma fotografia amarelecida. Hoje, 40 anos após A Vendedora de Recursos, o non-sense e o absurdo tomavam conta do nosso cotidiano. A boa gente continua cega e omissa e um novo movimento dado com roupas exóticas e berloques no pescoço prega a morte da palavra. Eles são velhos conhecidos e seus gestos estão gastos, mas pensam estar na vanguarda. Nós ficamos com as palavras. Mesmo quando não tem, aparentemente, tanta importância. Mesmo quando são utilizadas como no caso de Uma Consulta e de A Vendedora de Recursos apenas para fazer rir, elas, as palavras, têm o poder mágico de nos dizer algo de mais fundo. Basta que as amemos e sigamos o conselho do poeta:

Chega mais perto e contempla as palavras
Cada uma
Tem mil faces secretas sob a face neutra
(…)
Repara:
Ermas de melodia e conceito
Elas se refugiam na noite, as palavras
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
Rolam num rio difícil e se transformam em desprezo
                                                                                                                                                                                 João das Neves

II – Os Autores 

Maria Pompeu 

Com vinte anos de teatro, interpretou quarenta peças, oito shows, vinte e um filmes, inúmeros programas de televisão, sendo quatro novelas recentes e é redatora da Rádio MEC há onze anos.

Estrelou em Lázaro de Francisco Pereira da Silva, com direção de Pernambuco de Oliveira, no Teatro Duse, de Paschoal Carlos Magno. O primeiro trabalho profissional aconteceu em Diálogo das Carmelitas de Bernanoos, dirigido por Flamínio Bollini, com Os Artistas Unidos no Teatro Copacabana. Seus trabalhos mais recentes: O Balcão de Jean Genet, direção de Martim Gonçalves, no Teatro João Caetano, Em Família de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Sérgio Brito, no TNC, Ritmos e Cores de Ruy Affonso, direção de B. de Paiva, com que excursionou pelo Brasil e iniciou o trabalho de levar teatro às escolas, A Casa de Bernarda Alba de Garcia Lorca, direção de B. de Paiva, no teatro João Caetano, E Deus Criou a Varoade Roberto de Cleto e Oscar Felipe, com direção de Roberto de Cleto, que estreou no Teatro Maison de France e percorreu 82 colégios.

Foi Gina em A Grande Mentira, Soledad em Rosa Rebelde, Corina em Verão Vermelho e Madame X em Assim na Terra como no Céu. No momento tem prontos para lançamento os filmes América do SexoO Judoka e Como é Boa a Nossa Empregada.

Na Rádio MEC produz os programas Presença e especiais com grandes nomes da música popular brasileira.

Já tem programado para outubro um espetáculo de homenagem a Carlo Drummond de Andrade.

Heleno Prestes

Ator profissional desde 1961, quando estreou no Teatro da Praça (atual Gláucio Gill) na peça de Bertold Brecht Os Fusis da Sra. Carrar, dirigido por José Renato.

Transas & Tranças é o seu vigésimo espetáculo teatral.

Seus trabalhos mais recentes e importantes foram: Oh, Papai, Pobre Papaizinho, Mamãe te Pendurou no Armário eu estou Tristinho, de Arthur Kopf, no antigo Teatro de Bolso, com direção de Roberto de Cleto; Verão de Romain Weingarten no Teatro Princesa Isabel, com direção de Martim Gonçalves, Roda Viva de Chico Buarque de Holanda, peça que protagonizou em 1968, com direção de José Celso Martinez Correa e com a qual transferiu-se para São Paulo, onde residiu e trabalhou durante 4 anos.

Em São Paulo protagonizou Romeu e Julieta, de W. Shakespeare com direção de Jô Soares, no Teatro Galpão (Ruth Escobar), O Escorpião de Numância, de Renata Pallotini, com direção de José Rubens Sequeira, no Teatro Anchieta. No ano passado voltou ao Rio para fazer O China de M. Schisgall no Teatro das Artes, com direção de Martim Gonçalves.

Em televisão participou do Grande Teatro de Sérgio Britto, Vesperal Troll de Fábio Sabag,Grande Teatro Tupi de Carlos Lage. Foi Luizinho na novela de Edy Maia, A Grande Mentira e Otavinho em Beto Rockefeller de Bráulio Pedroso.

Dinorah Marzullo

Profissional há trinta e cinco anos (já está aposentada), sua vida, no lar ou no palco, foi sempre ligada ao teatro: filha de Antonio Marzullo, casada com Manoel Pêra, dois grandes atores já falecidos, é mãe de duas atrizes, uma muito famosa e outra em início de carreiro; Marilia e Sandra Pêra.

Trabalhou com as Companhias Dulcina – Odilon e Henriette Morineau, tendo excursionado a Portugal.

Entre seus muitos trabalhos estão as peças As Árvores Morrem de Pé, Uma Rua Chamada Pecado, O Pecado Original, Medeia, Rainha Vitória, Elizabeth da Inglaterra e Tia Mame.

Criou vários personagens em televisão, tendo recebido um prêmio pela sua Agripina

III – Os Autores 

Arthur Azevedo 

1855: 7 de Julho – Nasce, em São Luiz do Maranhão, Arthur Nabantino Gonçalves de Azevedo e D. Amália Pinto de Magalhães.

1864: Arthur, com apenas 9 anos, escreve e faz representar no quintal de casa sua primeira peça, o drama Trinta Conto de Réis.

1868; Aos Treze anos é afastado dos estudos por seu pai e empregado numa casa de comércio.

1869: Com Aluízio, seu irmão mais novo, e um grupo, e um grupo de empregados no comércio funda o Teatro Normal, que funciona em uma das salas do Gabinete Português de Leitura. Para repertório do Teatro Normal, Arthur escreve O Enjeitado e Indústria e Celibato.

1870: Perde seu emprego no comércio por se meter em brigas de rua por causa de atrizes francesas de uma companhia de operetas. Ingressa como amanuense na Secretaria do Governo.

1871: Começa a escrever e a publicar em jornais os versos satíricos Carapuças, criticando os grandes da terra.

1872: Funda a revista literária Domingo. Por influência de políticos, atingidos por suas sátiras, é demitido pelo governo da Província e resolve, pouco depois, vir para a Corte do Rio de Janeiro tentar a sorte como jornalista e escritor de teatro. Na sua bagagem traz a comédia Amor por Anexins, primeira a ser encenada na Capital.

1873: No Rio de Janeiro, consegue emprego em A Reforma, como revisor e tradutor de folhetins. Inicia então uma longa atuação na imprensa, só interrompida por sua morte em 1908. Diário de Notícias, O País, A Estação, Correio da Manhã, Correio do Povo, A Época, O Besouro, O Dia, Folha Nova, Distração, Vida Moderna, revista dos Teatros, são apenas alguns dos jornais e revistas dos quais Arthur participou, quer como colaborador, articulista, diretor ou mesmo fundador. Uma Véspera de Reis, grande criação do ator Xisto Baias, é o segundo sucesso de Arthur Azevedo. Arthur entra na moda, e solicitado constantemente por empresários traduz e adapta várias operetas francesas.

1877: Em parceria com Lino de Assunção escreve sua primeira revista, gênero teatral que então engatinhava. Encenada no ano seguinte O Rio de Janeiro não consegue, no entanto, alcançar sucesso.

1880: A Princesa dos Cajueiros, opereta com música de Sá Noronha marca época no Rio de Janeiro.

1881: Arthur se empenha na campanha abolicionista e escreve para ela a peça O Liberato encenada no Teatro Lucinda.

1882: A família Salazar, peça antiescravagista de Arthur Azevedo e Urbano Duarte é proibida pela Censura. Em 1884 os autores publicam a peça e em violento ataque à censura, acusam-na de estar a serviço dos senhores de escravos.

1883: Financiado pelo empresário Celestino Silva a quem as traduções, revistas e operetas de Arthur haviam proporcionado bons lucros, faz uma viagem à Europa.

1884: O Mandarim, nova revista que causou tempestuosa polêmica e fez enorme sucesso teve ainda a virtude de unir pela primeira vez uma dupla que escreveria inúmeras revistas de sucesso popular, consolidando definitivamente o gênero: Arthur e Moreira Samáio. Bilontra no ano seguinte foi um dos maiores êxitos da dupla que só se separou em 1888.

1890: É encenada A República de Arthur em parceria com o irmão, Aluízio de Azevedo.

1897: A Capital Federal, obra-prima de Arthur, com música de Nicolino Milano é representada pela primeira vez. Sucesso absoluto.

1901: Escrita e encenada a peça em versos O Badejo. Não é bem sucedida. Também a peça curta Uma Consulta.

1904: O Mambembe, em colaboração com José Piza

1905: O prefeito Pereira passos inicia a construção do teatro Municipal, velha aspiração de Arthur de Azevedo.

1907: O Dote é estreada no teatro Recreio

1908: É nomeado Diretor do Teatro João Caetano, construído na Praia Vermelha como parte de conjunto de edifícios destinados à exposição Nacional. Para a inauguração do teatro programa, juntamente com O Noviço de Martins Penna e Não Consultes Médico, de Machado de Assis a peça Vida e Morte, drama de sua autoria. Morre Arthur Azevedo sem assistir a inauguração do teatro Municipal, porque tanto lutara. Na noite de inauguração, apenas Bilac em seu discurso se lembrou de fazer uma delicada alusão ao grande inspirador daquela obra. Dias depois o Teatro Municipal era ocupado pela Companhia Rejane com um repertório dos mais medíocres. Arthur fora esquecido na inauguração. O autor brasileiro foi esquecido um dia depois.

Gastão Tojeiro 

Gastão Manhães Tojeiro nasceu no Rio de Janeiro a 3 de fevereiro de 1880. Aos 24 anos sua primeira peça, As Obras do Porto, é estreada no Teatro Lucinda. Escreveu mais 100 peças teatrais que assinou com diversos pseudônimos (Júlio Roma, George Sidney,Tito Leviano, entre outros). Seus trabalhos que vão desde a burleta, passado pelo gênero policial até as comédias ligeiras se sucederam no cartaz teatral até o fim da segunda guerra quando o movimento iniciado pelos Comediantes e continuado depois pelo T.B.C. estabelece uma nova estética do espetáculo teatral no Brasil negando, como era natural, todos os valores considerados ultrapassados

Entre as principais peças de Tojeiro estão: A Mão Negra (policial), o Cachorro da Madama, burleta (1912, Se não Fosse o telefone (Teatro Recreio,1919). Onde Canta o Sabiá (1921), Faze o Que eu Digo e . . . O Filho do Rei do Brejo (1932), Saíram Juntos . . . no Retrato (1941), As fãs de Robert Taylor (1941), Felisberto do CaféSolteira é Que Eu Não Fico, Uma Vendedora de Recursos (escrita em 32 e refundida em 43), Vote em Mim dona Xandoca, etc.

Gastão Tojeiro faleceu em 29.11.65, sem ter podido ver a magnífica encenação que Paulo Afonso Grisalli realizou de seu Onde Canta o Sabiá.