Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 18.04.1976

Barra

O primarismo da Viagem do Faz de Conta

Ao assistir-se a peça Viagem do Faz de Conta, a primeira dúvida que surge é sobre a vaidade do Prêmio Narizinho com o qual esse texto foi agraciado há alguns anos. O trabalho de Walter Quaglia é tão velho, incoerente, e se desenvolve através de ações tão gratuitas e arbitrarias que se pergunta, inicialmente, por que premiá-lo. E, depois, por que monta-lo. A trama é tola e, a todo instante, parte do princípio de que as crianças são completamente imbecis. Um bom exemplo é quando o sábio afirma que jogou fora o mapa tão procurado, frustrando os personagens que buscavam notícias de concórdia e alegria. O autor, com isso, leva a plateia a se decepcionar junto com os personagens. Mas, logo depois, o mesmo sábio se recupera de tão providencial ataque de amnésia e declara: – “Ah, me lembrei agora onde coloquei o mapa. Não joguei fora, não. Dei para a Princesinha”.

Esse recurso para fazer com que a ação se desenvolva é de gritante primarismo e de total desonestidade.

A direção acompanha os defeitos do texto. O espetáculo é sem ritmo, distante, frio, descosido, e a parte visual é de mau gosto, com os figurinos feios e combinações de cores bem desagradáveis. Escolhi um péssimo dia para ver o espetáculo. A direção do MAM havia transferido a montagem da Sala Corpo Som “A” para a sala Corpo Som “B”, não dando, aos atores, o tempo necessário para a adaptação: logo, o espetáculo foi feito sem luz; quando pretendiam ensaiar, a sala já estava ocupada pelo elenco de Andar sem Parar de Transformar, que estrearia no mesmo lugar poucas horas depois; e, para culminar tantos azares, algumas peças dos figurinos e alguns materiais de cena haviam sido roubados, incluindo-se aí a fita com a trilha sonora: logo, o espetáculo foi feito também sem som, isso tudo, é claro, prejudicou a encenação. Isso tudo perturbou o trabalho dos atores. Isso tudo retirou possíveis climas e impediu a existência de qualquer dinamismo, pois os atores já entraram em cena visivelmente desanimados. E quem critica – é claro – tem de levar tudo isso em consideração. Mas, apesar de tudo, dá perfeitamente para o analista perceber o que é a linha-mestra da direção e o que seria o espetáculo. Dá para perceber que essa linha também era velha e decadente, como o texto. Que o estilo procurado é o do tatibitate, que os atores são inseguros e que nenhuma luz maravilhosa, nenhuma trilha sonora incomparavelmente bonita e nenhum conjunto de belos acessórios salvariam do naufrágio um texto como esse e como essa (falta de) direção. A destacar o trabalho de Mariene Lopes – uma atriz firme, com bom uso da voz, bom domínio de tempo e de ritmo. Pena é que ela escolha sempre espetáculos tão ruins para participar. Ou melhor: ser cúmplice.