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Tecnologia teatral é um tema bastante curioso. Na verdade é assunto muito antigo, embora não nos demos conta de sua importância. O meu envolvimento com esse assunto se deu no momento em que estive à frente da restauração de um teatro no Rio de Janeiro. Eu, que tinha uma formação de artista, voltei aos meus anos de curso de engenharia para coordenar e executar a reforma do teatro.

Mais tarde, quando ingressei no mestrado na Uni-Rio, propus uma pesquisa nessa área, que resultou na criação de um periódico chamado “Galharufa”, palavra que é uma gíria, um trote de teatro. O desenvolvimento desse boletim, sobre tecnologia teatral alternativa, levou-me ao conhecimento de periódicos estrangeiros sobre o mesmo assunto e até à participação em congressos. Acabei me afiliando, desde há cerca de cinco anos, ao Instituto Norte Americano de Tecnologia Teatral (USITT) e ao Instituto Canadense de Tecnologia Teatral (CITT), seções nacionais de uma associação maior chamada Organização Internacional de Cenógrafos, Técnicos e Arquitetos Teatrais (OISTAT).

Como diretor, eu nunca havia pensado na movimentação financeira que existe em teatro, visto que o diretor, o autor e o ator, quando não são produtores, não interferem na aplicação das verbas do espetáculo. Quando se faz um orçamento, e pode ser a coisa mais simples, nota-se que a maior parte da verba é movimentada pelas áreas de figurino, cenário, iluminação, som. São essas áreas que chamamos de “tecnologia teatral”. É importante chamar atenção para isso, porque é por intermédio dessa área, através dos cenógrafos, figurinistas, iluminadores e sonoplastas, é que está o acesso a um possível capital de investimento no teatro. Autor, ator e diretor só têm a “vontade de fazer”.

Em consulta ao “Aurélio”, encontramos a definição de “tecnologia”: “um conjunto de conhecimentos, especialmente de princípios científicos, que se aplicam a um determinado ramo de atividade”. Partirei desse conceito porque é muito claro e nos afasta logo da idéia de que tecnologia seja uma coisa muito sofisticada ou muito cara. Tecnologia é esse conjunto de conhecimentos e realizações que aplicam princípios científicos, mas não é necessariamente o que a gente chama de “hi-tech”. Quero dizer, com isso, que usar a tecnologia não significa despender milhões de dólares.

Qualquer coisa que fazemos em teatro envolve tecnologia. A confecção de um boneco, por exemplo, qualquer tipo de boneco, é aplicação de uma tecnologia para o uso do teatro. Há uma tecnologia de costurar, cortar, pintar e colar, e cada um que faz o seu boneco sabe qual é a melhor cola, a melhor tinta, que tipo de tecido é melhor para o fantoche, ou que outro tipo rasga fácil, que um terceiro é muito duro, mais barato, e por aí vai. Não é só uma questão de custo: é uma questão de conhecimento, de transmissão e de circulação desse conhecimento.

Em relação à tecnologia verificamos duas atitudes muito preocupantes. Uma é a “tecnolatria”, a suposição de que tudo é resolvido com a tecnologia e de que esta vai resolver todos os problemas do mundo. É o que ocorre com aquelas pessoas que não aguentam ficar sem comprar o último aparelho eletrônico que sai, que tem que ter em casa o ultimo DVD de 4ª geração e que não suportam possuir um Pentium de 500 MHz porque já saiu um Pentium de 700 MHz. São casos em que a tecnologia surge como negativa porque, para o nosso uso, ela tem que ser um meio, e não um fim.

Quando a tecnologia vira um fim, é o fim. Ela não esta servindo mais para nada; a pessoa gasta todo o seu salário para se manter “tecnologicamente atualizada” e realmente não usa os seus equipamentos. Qualquer um de nós aqui provavelmente tem um editor de textos instalado em seu computador. Por mais antigo que seja esse editor de textos, duvido que vocês usem quarenta por cento dos recursos que um programa desses tem, porque eles são desenvolvidos pra atender a uma gama enorme de usos e cada um de nós tem um único uso: o nosso uso pessoal. Pode ser que o meu uso seja diferente do da Alice Koenow, e ela use recursos que eu não uso; mas usar todos os recursos, ninguém usa, mesmo de um programa antigo.

A “tecnolatria” tem esse aspecto negativo, de fazer a tecnologia vir à frente da sua utilidade.

A segunda atitude preocupante e também muito nociva, que eu vejo com frequência no meio artístico e teatral, é a “tecnofobia”. É achar que a tecnologia é um mal, uma coisa perversa, um novo monstro que veio devorar a criatividade e extinguir a possibilidade de o homem continuar criando. Não existe nada disso. Eu mencionei que um fantoche é tecnologia, então o teatro não tem que independer da tecnologia. É comum as pessoas ligarem tecnologia às coisas milionárias, mas quando falamos em tecnologia, eu repito, não estou necessariamente falando em milhões de dólares. Mas também posso falar em milhões de dólares. Para se fazer uma peça com um ator e um banquinho, é necessária a tecnologia. Você precisa conhecer qual é o espaço adequado que comporta uma peça de apenas um ator e um banquinho, pois há alguns espaços em que essa peça não vai funcionar.

O fato é que o teatro sempre foi “hi-tech”, o teatro sempre correu em se apropriar das novidades mais recentes da tecnologia. Isso acontece desde que o teatro existe. O edifício teatral grego, na Grécia antiga dos séculos V ou IV a.C., foi a maior edificação feita pelos gregos. Não havia ousadia arquitetônica maior, para os gregos, do que construir um teatro para vinte mil pessoas, como o de Epidauro. Era um desafio arquitetônico relevante que demandava os melhores arquitetos da Grécia. E qual o motivo? Para que ali se representassem histórias. Isso ocorreu ao longo de todos os tempos. No Renascimento italiano, que é uma fase importante da tecnologia teatral, pessoas como Leonardo da Vinci trabalharam na criação de mecanismos e espaços cênicos. Os melhores arquitetos do barroco trabalharam na construção de teatros, e tudo o que foi criado naquela época é um equipamento riquíssimo, que resultou na forma do teatro mais tradicional, o teatro de palco italiano. No final do século XIX, o cinema foi inventado e logo alguém teve a idéia de fazer teatro e filmar. Fazer teatro através do cinema. De novo, contar uma história. Cinema é uma forma de fazer teatro. Quando inventaram o rádio, e depois a televisão, alguém rapidinho inventou uma história para ser contada. Até na Internet já há peças teatrais. Quando inventaram o raio laser, alguém descobriu que era uma fonte de luz importante para criar tais e tais efeitos, e qualquer nova descoberta no campo da tecnologia sempre inspira alguém empenhado em contar uma história. Então, o teatro é “hi-tech”. Por mais que a gente busque suas origens artesanais, o evento teatral, seja qual for o meio de comunicação em que ele se dê, seja uma telenovela, filme ou rádio novela, busca a tecnologia pra contar melhor a sua história.

Agora vamos à questão de “problemas e soluções”. Desde século V a.C. até hoje o teatro tem os mesmos problemas de limitação. O teatro é a mais limitada das artes em termos de assunto, porque ele só possui um: as relações entre seres humanos. Não existe a “natureza morta” no teatro, não há “abstração teatral”. O teatro sempre conta a história de seres humanos se relacionando. Essa limitação é maravilhosa porque torna o teatro forte na sua comunicação. Desde que ele existe, enfrenta os mesmos problemas

Se nós quisermos contar tal historia, a de uma relação especifica entre um deus e um homem. Na Grécia, por exemplo, eles precisavam dar um jeito de fazer o deus aparecer. Dessa forma inventaram um “mechane” (deus ex machina), que era uma espécie de guindaste que trazia o ator à cena, porque o deus tinha que aparecer, e ele não poderia surgir do canto, teria que vir de cima. Portanto, criaram um modo de ele vir do alto e resolveram daquela forma. Mas se o teatro fosse muito amplo e a voz não pudesse ser ouvida por todos, aproveitava-se de uma máscara que criava projeção sonora. Isso é tecnologia. Assim, os vinte mil gregos na plateia de Epidauro podiam ouvir um ator interpretando Eurípides porque ele tinha na máscara um dispositivo acústico que fazia aquele som chegar até a última fila. Esses problemas são constantes porque as historias são sempre as mesmas. Nós queremos representar e contar as mesmas histórias, e então esbarramos nos mesmos problemas.

Decorre daí a necessidade de circular as informações sobre a tecnologia teatral para que não fiquemos, como temos ficado, no Brasil especialmente, “redescobrindo a pólvora”. Quer dizer, a cada nova produção deparamo-nos com problemas que outras pessoas já resolveram, sem que nós ainda o saibamos. O problema não é a criação da solução, mas a circulação dessa informação. Eu sou formado em Direção Teatral e leciono na Escola de Comunicação. As razões para isso são diversas, mas não incoerentes, porque a circulação da informação também é assunto do teatro e, portanto necessidade.

Não vale a pena guardar os segredos em teatro porque você não vai guardar durante muito tempo. Não vai lucrar com seus segredos teatrais. Pode-se lucrar com segredos no campo da informática, da biotecnologia, e mesmo assim as pessoas divulgam. As revistas cientificas estão aí pra divulgar os conhecimentos de modo a que todo o mundo tenha acesso e que a humanidade toda possa caminhar para a frente. O teatro também vai caminhar para a frente e mais rapidamente, com mais eficiência e com menos repetição se essas informações circularem. Foi essa ideia que me suscitou a criação desse boletim, o “Galharufa”, que é um periódico sobre tecnologia teatral de baixo custo.

Tomemos como exemplo um dispositivo que se faz usando um pirex pendurado na frente de um refletor para dar um efeito de água, uma solução que o iluminador Aurélio de Simoni criou para uma peça. Mas ele não dispõe de muito tempo: como ele já tinha que resolver problemas de uma peça seguinte, ele nem tomou nota. Então eu fui lá e coletei esses dados, porque é essa a função da Universidade: escrever sobre isso, desenhar, criar ilustrações, fazer publicações, divulgar essas informações. Assim, todo o mundo pode saber como se faz aquele efeito. O Aurélio perdeu dinheiro porque divulgou? Muito pelo contrário; ele ganhou porque mais gente vai achar que o Aurélio é uma pessoa que tem soluções inteligentes e brilhantes para problemas da iluminação. E assim, mais produtores irão convidar o Aurélio pra fazer iluminação dos espetáculos. Nós temos que nos divulgar porque vivemos disso: autopromoção. No teatro, a obsessão pela autopromoção é total.

A tecnologia tem um aspecto muito sedutor. Ela é sempre muito cativante. Falei daquelas pessoas “tecnólatras”, que vão atrás do último DVD, e é um equipamento interessante, é como um bichinho. É tudo cativante: a Internet, os computadores. Às vezes assistimos a um espetáculo, que nem é muito bom, mas tem uns refletores que giram e que projetam padrões, que mudam de cor. O técnico de luz nem precisa subir lá para trocar a gelatina. O próprio equipamento já troca, ele obedece a uma série de comandos eletrônicos. Claro que aquilo custa mil e quinhentos dólares e se vê muito em show, em televisão. Ele está lá e é muito cativante, nós temos um interesse muito forte pela tecnologia.

Pode ser que você não esteja interessado tanto em eletrônica, mas não passa na banca sem comprar uma revista de costura, de novas maneiras de fazer o seu abajur, etc. Um dia desses eu estava vendo um programa desses na TV, que ensinam a fazer várias coisas, como um presente para o dia dos pais, e aí existe uma tecnologia para fazer um cinzeiro, é tudo muito sedutor. Nós sempre achamos uma tecnologia na qual se está especialmente interessado e corremos atrás porque ela é cativante.

A tecnologia caminha muito rápida e eu não sei se a linguagem teatral consegue caminhar no mesmo ritmo. O teatro é uma arte muito lenta. Ele é muito conservador e demora porque é coletivo. Ninguém consegue puxar as novas tendências sozinho, e é preciso um coletivo para realizar a arte teatral. Então, esse tipo de evento caminha de acordo com o passo do coletivo, que é obviamente menor que o passo individual. A pintura pode apontar muito mais rapidamente uma nova tendência e mudar a estética das artes plásticas. Já o teatro demora muito. E nesse aspecto ele é bastante conservador. As transformações no teatro sempre ocorrem anos, décadas, ou talvez séculos depois das transformações, digamos, análogas nas outras artes. Em um grupo de teatro é preciso que todos concordem e corroborem para esse novo norte estético. Então, se eu não conseguir esse impulso coletivo não adianta eu sonhar com uma novidade espetacular, visto que eu não vou fazer teatro sozinho. Se o grupo não acompanhar, mesmo que as pessoas digam que vão, e se não se sentirem conquistadas realmente por aquela nova ideia, elas farão uma coisa formal, que não tem o recheio da crença naquela ideia que eu tive. Vários espetáculos de vanguarda – que na verdade é igual desde 1910, ou seja, nada mais velho do que a “vanguarda”, que é um termo militar e designa aquele que está à frente da guarda – se perdem porque se você vai numa direção e ninguém segue você não é vanguarda. Não adianta você ir sozinho se não tem nada seguindo atrás. Eu pergunto: foi a “van” de quê? É uma perda de tempo. É preciso esse coletivo, e a linguagem teatral tem uma certa resistência, é lenta. Aí chegamos na questão de que a tecnologia corre rapidinho.

A cada ano em que eu vou a um congresso nos EUA tem dez estandes novos de empresas que criaram coisas absolutamente incríveis para a realização cênica, e praticamente ninguém ainda tem o pensamento a tal ponto esclarecido para ver, afinal, em que serve determinado equipamento e como é que vai ser usado em cena. No entanto alguém criou; e a indústria não é estúpida. Ela vai atrás dos sinais da criação. Não se fabrica uma maluquice sem mercado. Se a indústria apostou, é porque tem dinheiro nisso, tem muito dinheiro ligado ao entretenimento. Mas a impressão que eu tive no primeiro congresso a que eu fui em 1996 continua, porque eu já não sabia em 1996 qual a função daquela parafernália que eu via. E agora em 1997 menos ainda, porque não tinha resolvido a de 1996. A de 1998 ainda menos, porque a de 1996 estava esquecida, e a de 1997 não estava resolvida. Mas a tentativa de me manter atualizado me fez ver o que existe, embora não saiba como usar, que é uma questão prática. E aí penso que nós temos que pegar e descobrir, dentro das possibilidades, para podermos achar os caminhos da linguagem com o uso daquelas novas tecnologias.

Hoje é tudo uma revolução digital, da informatização. Tudo hoje, até mesmo uma geladeira, dispõe de um microprocessador. Sem dar a devida atenção, cada um de nós aqui tem uns sete ou oito computadores em casa, só que estão disfarçados em outros produtos. São os videocassetes, a TV, o aparelho de som, e muitos outros. Todos eles são computadores.

Felizmente o teatro não é digital. O teatro é analógico. A Arte é analógica. Nós compreendemos as coisas na Arte por um processo de analogia. Alguém diz uma coisa para significar uma outra, isso é analogia. Digital é alguém dizer uma coisa que vai significar aquilo mesmo, não tem diferença. É uma fileira de zeros e uns que vão ser transmitidos por um meio qualquer e vão virar os mesmo zeros e uns. Mais adiante um microprocessador vai converter estes dígitos num impulso, um estímulo, num som, numa imagem. É digital porque houve a preservação da informação. A informação é ela mesma e não há um processo artístico, visto que é direto. A arte trabalha com analogia e nós estamos a salvos enquanto não houver uma arte digital, que me parece ontologicamente impossível.

Bem, são vários assuntos e eu não quero me estender. Gostaria de encerrar mostrando algumas imagens. Eu falei a respeito de várias coisas e não me amarrei a coisa nenhuma. Queria apenas jogar essas ideias, e depois vamos conversar porque a gente pensa melhor juntos que separados.

Na figura (1) podemos ver um problema teatral. Essa montagem tinha que ter um dragão em cena, e isso que nós vemos é uma patente inglesa do século XIX. Bem, então, por alguma razão, nesta história tinha que ter a participação de um dragão e eles tinham que pensar num modo de fazer isso. Criaram um mecanismo em que o ator entra em uma carcaça, e quando ele anda faz movimentar as quatro pernas do dragão. Ele pode também abrir e fechar a boca do dragão girando um aparato que também movimenta a cauda. Toda essa parafernália é muito interessante porque era preciso, naquela história, existir um dragão, e então alguém bolou essa solução. Isso foi em 1890.

Agora vou mostrar uma imagem de 1992, há apenas oito anos atrás, na figura (2). Dessa vez a montagem precisava de uma vaca e criou-se a mesma solução. Dá para perceber que é a mesma solução. A diferença é que agora é uma vaca, não um dragão. Mudou apenas o estilo da história. Podemos ver o ator, as patas da frente são a perna dele e ele mexendo com a mão faz com que as patas de trás tenham movimento. E apenas um ator pode fazer o papel de vaca, porque aquele truque, que todos conhecem, de um ficar atrás do outro, necessita de dois atores e esta é uma maneira de um só ator fazer a dianteira e a traseira. Isso é uma solução, mas é a mesma solução que eu mostrei antes: uma pessoa que dentro de uma carcaça opera alguns dispositivos e aquilo faz com que um ator vire num monstro, ou num animal quadrúpede qualquer.

O teatro tem os mesmos problemas e aí as soluções aparecem. Agora, não há qualquer sinal de que o inventor desta segunda solução conhecesse a primeira, porque não há nenhuma referência. Esta segunda solução foi publicada em 1992 num periódico americano voltado para o teatro escolar e universitário, e a primeira veio a público somente depois de 1992, entre 1995 e 1996, num livro sobre patentes teatrais inglesas do século XIX, resultado de uma pesquisa enorme. Podemos assumir que o cenógrafo que fez essa vaca jamais teria conhecido aquela patente inglesa que vimos primeiro. E na verdade nós também não a conheceríamos se não fosse por algum pesquisador obcecado levantar um século inteiro de patentes teatrais inglesas. Aí, em meio à minha própria pesquisa, eu esbarrei nas duas soluções iguais para o mesmo problema teatral.

Agora podemos ver, na figura (3) uma coisa ainda mais antiga. É de uma publicação datada de 1638. Aqui dá para entender rapidinho o que é, talvez o primeiro sistema de luz “em resistência” do teatro. O que vemos aqui é um dispositivo que está descrito num tratado de cenotécnica de 1638, de um sujeito chamado Sabbattini, um italiano que reuniu boa parte da cenotécnica italiana do renascimento e do barroco e é uma obra notável, um tratado. A meu ver, é leitura obrigatória pra quem quer que faça teatro, em qualquer área, porque a disponibilidade dele em dar uma solução aos problemas cênicos, e em relatar e divulgar isso, é notável, é muito importante. Então, o que vemos é o primeiro sistema, pelo menos que eu conheça, o mais antigo sistema de luz “em resistência”. Vemos uma cordinha ligada às roldanas lá em cima, dois cilindros e as velas. Então, puxando a cordinha, faz-se com que uma latinha suba e dessa forma temos mais luz. Soltando esta mesma cordinha a latinha desce sobre a vela e temos menos luz. Dessa forma controla-se um “dimmer”. Hoje é um circuito minúsculo que faz isso, e exerce a mesma função porque o problema é o mesmo.

Em 1638 alguém se preocupou em fazer uma luz que aumentasse e diminuísse de intensidade, e novamente no séc. XIX, também daquela mesma fonte das patentes inglesas, alguém também se preocupou com isso só que já tinha eletricidade e patenteou esse sistema da figura (4). É o mesmo que ainda se encontra às vezes no Brasil. É um sistema baseado numa solução de água e sal em que as duas pernas do fio, que fazem o positivo e o negativo, ficam cada qual em uma base metálica, e quando alguém gira a torneira a espiral faz o mecanismo subir, e quando isso acontece aumenta a resistência, porque há um maior percurso dentro d’água para a corrente passar, e a luz diminui. Da mesma forma, quando se gira para o outro lado, o mecanismo desce e essas duas placas ficam mais próximas, há menor resistência e a luz aumenta. Esse sistema ainda é usado, eu já vi no Brasil em teatros muito simples só que com tubos de PVC. Às vezes usando um contrapeso sozinho que faz descer uma pequena roldana, mas é exatamente o mesmo princípio desde o séc. XIX. O mesmo problema do séc. XVII. E é o mesmo problema que nós continuamos tendo e está ali. Daqui eu vejo um ” rack” com “dimmers”, usado nesta sala, que é a mesma coisa que vemos na ilustração. Aquela caixa ali tem um monte de circuitos eletro-eletrônicos que têm a mesma função dos que vemos nas figuras, porque o problema é o mesmo: aumentar e diminuir a luz e poder fazer isso com a velocidade que se queira. Pode-se girar as torneiras devagar ou rapidamente e fazer a luz aumentar e diminuir rapidinho, ou ainda puxar uma cordinha como em 1638 e fazer da mesma maneira uma luz em “fade-in” ou em “fade-out”, igualmente rápido.

Agora vamos passar para outro aspecto que é de novo o desenvolvimento da tecnologia e uso da informática no teatro. Uma outra área muito grande que não dá para ser resumida facilmente, mas enfim, vou mostrar algumas coisas para vocês porque nem todo o mundo conhece e muitos devem estar preocupados em conhecer. O computador é só um idiota rápido. Ele não vai substituir ninguém. O que ele faz é tão somente acelerar um processo que nós faríamos, mas faríamos com mais lentidão. O computador continua sendo uma ferramenta assim como o martelo ou a chave inglesa. São todos a mesma coisa, uma ferramenta. A diferença é que o computador é muito mais rápido e faz outras funções.

Nós podemos ver na figura (5) um programa de simulação de efeito de luz. Chama-se “Virtual Light Lab”. Ou seja, é um laboratório virtual de iluminação, e é um programa de fundamentos de iluminação. Não é um programa de operação de luz. Há vários programas de operação de luz, de criação de mapas de luz e de roteiros muito sofisticados, esse é bem mais simples. Trata-se de um programa para aprender a trabalhar com a iluminação de teatro. Você clica nesse caixotinho onde está escrito “light” e arrasta um refletor, em seguida o pendura nessa grade virtual que inclui até uma pequena posição de ribalta. Aqui nós temos a primeira questão da luz, que é a posição da fonte de luz em relação ao objeto iluminado. Nós vemos aqui também um cenário virtual. Depois que eu dirigi a luz escolhida para este cenário, posso regular sua intensidade, aumentando ou diminuindo a carga, e esta é a segunda questão da luz: a quantidade. A terceira questão é a cor, que na figura é verde, mas pode ser vermelho, azul ou qualquer outra. Eu escolho nesse quadro abaixo, que pode ser rolado e tem muito mais cores. Os números são códigos comerciais, correspondem aos números de catálogos das principais marcas de gelatinas para refletores. Basta eu clicar sobre esta tabela e depois sobre o refletor desejado e ele assume a cor que eu escolhi que é a simulação da cor da verdadeira gelatina.

Então, posição do ponto de luz, intensidade e cor, o trinômio da iluminação cênica está resolvido e eu posso fazer a simulação que eu quiser. Temos também uns padrões para fazer um gobo, aquela luz que tem uns desenhos. E é um programa barato, que custa uns cento e trinta dólares. Para uma escola de teatro é uma ferramenta importantíssima, e montar isso aqui é muito simples. A iluminação deste auditório, por exemplo, usa poucas lâmpadas e todas quase na mesma posição. Para montar uma luz destas custa muito mais que esse software. Voltando às imagens, no mesmo programa eu posso trocar o objeto em cena, colocar um sujeito, como na figura (6), em vez de um cenário. E posso escolher outras cores, outras posições e ter um outro resultado. Assim posso experimentar indefinidamente com os elementos fundamentais da luz e isso o computador faz, simula. Você pode ficar jogando um “game” qualquer ou pode ficar experimentando com iluminação cênica, a escolha é sua.

E falando mais em simulação, para terminar, já que o aspecto do teatro para crianças, também vai ser abordado pela Alice Koenow, quero mostrar um dos programas mais curiosos que eu examinei. Eu tenho uma página na Internet que tem mais de sessente programas aplicáveis ao teatro em todas as áreas. Este aqui da figura (7), em particular, eu acho muito interessante porque é uma verdadeira simulação de um espetáculo controlada totalmente pelo operador, pelo usuário.

É um programa chamado “Opening Night”, noite de estreia. É um programa que eu comprei por vinte e nove dólares. Ele inicia com um palco e com uma plateia, além de ferramentas com uma interface muito parecida com a de qualquer gravador cassete: botão para avançar, para recuar, gravar, numeração de quadro a quadro para acompanhar o que está acontecendo na peça virtual, e temos as opções. Podemos escolher um cenário, quais são os adereços. Posso escolher os personagens e seus movimentos, pode-se digitar uma fala, que esse personagem vai falar. Basta digitar um texto e escolher a voz. Podemos determinar como é a luz e os efeitos sonoros, a música, etc. Quando clicamos neste ícone vemos o espetáculo inteiro. Ver uma imagem fixa de uma coisa em movimento é um pouco frustrante, mas eu fiz três pequenas cenas e imprimi para vocês verem o tipo de imagem que faz.

A tecnologia é a mesma que se usa num videogame. Os mais avançados têm figuras humanas, só que no videogame eles só batem, socam, chutam e atiram. Explodem o inimigo, o objetivo é este. Mas a tecnologia é quase a mesma: uma imagem de um ator digitalizada é controlada pelo usuário. Aqueles movimentos todos já não são mais de um bonequinho da primeira geração dos videogames; eles filmam atores dando aqueles golpes e, para cada movimento do “joystick”, há um golpe correspondente. Aquilo é uma imagem digitalizada de um ator real. Neste caso eles fizeram a mesma coisa, só que não no intuito de arrancar sangue, nem de quebrar, muito menos de atropelar velhinhas, essas coisas “úteis” que o videogame ensina a fazer.

Eu separei três pedaços de imagens, não a cena inteira, eu peguei apenas um fragmento. Esses aqui, nas figuras (8), (9) e (10), são atores que foram filmados em vários movimentos, cada um tem um repertório de uns trinta movimentos e nós podemos fazê-los andar por todo o cenário, que também é um cenário criado. Nós escolhemos os movimentos e vamos gravando um a um, como se grava uma trilha sonora em computador. Pode-se gravar o violino, depois a viola, depois o cello, depois o contrabaixo e vamos adicionando cada um deles e depois escrevemos as falas. Podemos escolher a voz e por fim, vamos gravando tudo. No final é só teclar em “Play” para ver a peça inteira. Pode-se gravar e enviar para um amigo porque o CD -ROM tem os dados, mas grava um pequeno arquivo de parâmetros. Se meu amigo tiver o CD-ROM eu mando um pequeno arquivo de 50 ou 100 kb anexado a um e-mail, e o meu amigo do outro lado do mundo pode assistir à peça que eu “dirigi” ou “interpretei”. Nem sei se o termo é “dirigir”; eu realmente fiz tudo.

O controle é o que se tem num espetáculo mesmo, quer dizer, você comanda o som, os atores, o texto, a luz, a música e as vozes. É uma simulação de teatro que é um brinquedo, isso é vendido para criança, mas eu comprei e uso em aulas de direção na UFRJ, porque nós não temos sempre a disponibilidade de atores para aulas sobre marcação cênica. Então eu peço aos alunos que peguem o CD-ROM, levem para casa, tragam o trabalho em disquete, ou enviem para mim, e aí nós analisamos no laboratório de informática. Claro, eu sei que não é a mesma coisa, mas é uma simulação. Em todos os campos o computador esta sendo usado para essa simulação, porque que deveríamos ser tão “teatro-pobre” a ponto de dispensar uma ferramenta? Se não dispensamos o martelo, não podemos dispensar o computador também. Enfim era isso que eu tinha para apresentar e depois conversaremos mais. Obrigado.

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José Henrique Moreira
Diretor Teatral, Mestre em Teatro pela UNI-RIO e professor do curso de Direção Teatral da Escola de Comunicação da UFRJ, Rio de Janeiro.

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Obs.
Este texto foi retirado da mesa redonda InterneTEATRO, ocorrida em 20 de outubro de 2001, às 19h, no Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, em Santa Tereza. Este encontro foi coordenado pelo CBTIJ, e fez parte da II Mostra de Teatro de Animação BOM DE BONECO, realizada por Bonecos em Ação, sob a tutela de Susanita Freire e Marcílio Barroco.

Além da palestra acima, foram proferidas as seguintes palestras:

A Criança na Tela do Teatro ( Alice Koenow)
Sites de Teatro (Paulo Thelmo Ribeiro) / Debate

Ao final das palestras, ocorreu um debate entre convidados e plateia com intermediação de Antonio Carlos Bernardes, presidente do CBTIJ