Materia publicada na Revista de Teatro SBAT
Sem Identificação – Rio de Janeiro –  Mai/Jun 1958

Teatro Para Crianças

O teatrólogo Viriato Correia, numa das sessões do mês de maio, fez entrega à Academia Brasileira de Letras de um exemplar do ultimo livro da escritora Lúcia Benedetti, Teatro Infantil. Para conhecimento dos nossos leitores, transcrevemos as palavras do ilustre imortal:

E, ao fazer a entrega do novo livro, eu quero chamar a atenção da Academia para a brilhante escritora que o assina. Conta os historiadores que Aristóteles foi, no seu tempo, o maior estudioso de Atenas. Tinha ele avidez do livro: na sua casa, 03 volumes eram tantos que parecia uma biblioteca pública. Platão, quando queria aludir a casa em que Aristóteles morava, dizia – A Casa do Leitor.

O casal Lúcia Benedetti e Magalhães Júnior é o casal que mais trabalha intelectualmente no Brasil. Ele é o escritor que atualmente mais produz livros, ela é a escritora que mais livros têm produzido ultimamente no nosso País. Como devemos chamar a casa desse casal laborioso? Laboratório dos livros.

Uma vez, que ao receber Magalhães Júnior nesta casa, tive ocasião de mostrar a Academia à efervescência literária que está agitando o elemento feminino no Brasil. É um, verdadeiro movimento artístico. As mulheres brasileiras estão de asas abertas em voos deslumbrantes pelos céus de literatura. E por todos os céus de arte – o da poesia, o do romance, o do ensaio, o da crítica, e o do teatro. No teatro temos a formosa inteligência de Maria Jacinta, trazendo para o palco problemas sociais de alta emotividade e sacudindo as plateias com o calor de uma dialogação de profunda teatralidade. No teatro temos Maria Wanderley Menezes, apaixonada dos temas bíblicos, que ela os desenvolve com um cunho dramático que poucos escritores ao Brasil possuem. No teatro temos Maria Clara Machado, inteligente fulgida trabalhadora infatigável, tão marcada pela predestinação teatral que não se satisfaz em produzir peças, levanta um teatro, cria uma Plateia e vai para o palco interpretar papéis. Em teatro temos Lúcia Benedetti que o destino escolheu para ser a fundadora do teatro infantil de nossa terra.

A Academia inteira conhece o valor de Lúcia Benedetti. Conhece e reconhece. Ninguém tem dúvida do mérito literário da grande escritora. Ninguém lhe nega o belo papel de pioneira do teatro para crianças.

Peças infantis, muitos dos nossos escritores já haviam escrito. Mas eram peças incompletas, mancas aleijadas. Faltava-lhes a modalidade infantil, o jeito infantil, o conteúdo, a substância, a alma infantil. Interessavam a muita gente, menos as crianças.

E não aparecia um escritor que sanasse o mal.

Tudo tem a sua hora. Eis que um dia, Lúcia Benedetti apareceu com O Casaco Encantado, Verdadeiro ovo de Colombo que ninguém, até então, havia conseguido pôr em pé. Estava resolvido o caso, Lúcia mostrava ter nas mãos a chave do segredo.

Desaparecia o mistério. Mas que mistério era esse? Lúcia trazia para o palco a simplicidade, a clareza indispensável à compreensão de crianças. Só? Não. Trazia para o palco, na justa medida, aquilo que interessava a infância.

Que era, ou melhor, que é esse aquilo? Não sei. É uma coisa sutil e inexplicável que eu não sei o que é, e que acredito que ninguém saiba, nem mesmo Lúcia Benedetti.

O que é certo é que ela desvendou o mistério.

Lembro – me da tarde em que assisti, pela primeira vez, ao Casaco Encantado. Uma multidão de crianças enchia o teatro. As cenas cômicas produziam verdadeiras trovoadas de palmas e gargalhadas. Eu nunca tinha visto, em peça infantil, uma plateia tão atenta, tão viva, tão ruidosa e tão alegre. Ao terminar o segundo ato um velho amigo se a aproxima de mim perguntando-me:

– Você está gostando disso?
– Estou, respondi.
– Eu não. Uma coisa boba.
– Olheio-o.
– Aquele menino que está a seu lado, quem é? Indaguei.
– Meu neto.
– Está gostando?
– Loucamente. Interessantíssimo. Fica em pé, grita, dá palmas.

Então está certo. A peça não foi feita para você, foi feita para seu neto. Se agrada a seu neto, a peça é ótima, alcançou o seu objetivo – interessar às crianças. Neste caso a sua opinião não vale nada.

No volume “Teatro Infantil”, Lúcia Benedetti reúne sete, peças O Casaco Encantado, Josefina e o Ladrão, Simbita e o Dragão, A Menina das Nuvens, Branca de Neve, Joãozinho Anda-pra-Trás, Sinos de Natal, umas apresentadas, outras ainda não, mas todas com as marcas do Casaco Encantado, isto é, todas com a virtude de interessar de agradar as crianças.