Na peça Suriléa, Mãe-Monstrinha, o elenco nem sempre consegue imprimir tom certo à interpretação dos personagens da história


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 06.04.1996

 

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A louca aventura de ser mãe

O teatro dedicado a crianças poucas vezes põe em foco o cotidiano de seu público, ficando este tipo de teatro espelho mais dedicado ao público jovem, que adora se ver em cena. A receita drogas, sexo e rock’n’roll, bastante desgastada, enfim começa a saturar o público e os encenadores já procuram um outro caminho. No teatro da infância, as opções são mais variadas. Entre as mais usuais se encontram a dos contos de fadas recontando, sob a ótica do autor ou diretor, e as que sugerem um cotidiano mágico na vida de simples mortais. Não é raro encontrar problemas bem reais, vividos por vampirinhos, magos e duendes, ou mesmo personagens superurbanos que se aventuram por florestas encantadas.

Suriléa Mãe-Monstrinha, de Lia Zatz, adaptada para o palco por Leonardo Simões, é um desses raros casos de identificação instantânea com a plateia. A história, que poderia estar acontecendo numa casa bem próxima ao teatro, é a de uma dedicada mãe de duas filhas, que, na ausência do marido (ela é divorciada), tem que dar conta do trabalho externo, das compras, das refeições, e, principalmente, das solicitações das crianças. Suriléa, já desesperada em atender a filha que não toma leite com nata, a outra que não gosta de carne moída, tem seu maior problema na hora de contar histórias para dormir. Uma quer Flicts, a outra Pluft, assim a mãe tem que inventar a história de Flucts, um fantasminha sem cor. Uma nova versão para as obras de Maria Clara Machado e Ziraldo.

Com tantos problemas, só resta a Suriléa rezar, mas o sábio Deus, aconselha uma terapia, e é aí que Suriléa se divide em duas . Mas mesmo assim, com um colo para cada filha, uma delas inventa o supercolo, e tudo não seria pior se Suriléa não descobrisse que a dupla mãe é um problema doméstico. Na rua ela é uma só. Uma grande oportunidade para começar a viver a própria vida.

O texto impecável, porém, tem alguns problemas de direção de elenco. Beatriz Marques a primeira Suriléa, começa o espetáculo num tom muito baixo, que suprime o vigor de personagem tão interessante. Já Kelzy Ecard, a segunda Suriléa, é mais combativa, mesmo em pequena participação. Luciene Simões é displicente na composição de Violeta, tanto do personagem quanto na caracterização. O mesmo não acontece com Lucila Turrini, no papel de Margarida, que dá a irmã mais velha características interessantes.

Leonardo Simões acerta na direção do espetáculo, quando se apoia na criativa parte técnica. Os figurinos e adereços de Rita Simões, complementando as perucas de Marcelo Abreu dão aos personagens o tom irreal dos desenhos animados e das histórias em quadrinhos. Distanciando agradavelmente a caricatura da vida real. A participação de Sônia Nogueira, no violino, e de Valéria Melo, no violão, agilizam a encenação com a música ao vivo, com trilha incidental criada a partir de clássicos de histórias infantis. As músicas cantadas pelo elenco, seguindo a estética anos 60, foram criadas por Rixo, no melhor hully-gully.

Suriléa Mãe Monstrinha, apesar de alguns deslizes de interpretação, é um espetáculo envolvente e contemporâneo. Vale a ida ao teatro. Mas atenção: a peça, em cartaz no Museu da República, não será apresentada neste sábado e domingo, voltando ao cartaz semana que vem.

Cotação: 2 estrelas (Bom)