Num tempo de relações tão virtuais, é essencial trazer o bebê para ‘aventuras’ concretas e materiais, compartilhando com outras crianças e adultos momentos de interação e criatividade.

Quando dizemos que estamos produzindo teatro para crianças é comum ouvirmos referências ao trabalho como: “pecinha”. O fato de tal palavra estar no diminutivo poderia ser interpretada como um jeito carinhoso, mas, infelizmente, sabemos e sentimos que o que está arraigado no pensamento não só do público, mas também de alguns “colegas de classe”, gestores culturais e programadores em geral, é a ideia de que o teatro para adultos é superior àquele feito para o público mirim.

Falando, trocando, com gente que faz teatro para crianças, ouvimos isso, por todos os cantos, em todos os lugares.

Ainda há muito o que fazer!

Em 2015, tivemos a oportunidade de participar de uma experiência modificadora no que diz respeito ao teatro para crianças, mais especificamente um teatro feito para a primeira infância. Estivemos em residência artística na Itália, com o Grupo Principio Attivo Teatro e lá, pudemos acompanhar o Festival Internacional de Teatro para a primeira infância “Visioni di Futuro, visioni di Teatro”, na cidade de Bolonha, produzido pelo La Baracca Testoni Ragazzi, onde participaram grupos de várias partes do mundo, apresentando e debatendo seus trabalhos para o público infantil.

Quando criamos a Catarsis Produções, já acreditávamos na relevância do teatro para a primeira infância e no quão importante ele é como formador de plateia.

Com nossas andanças pela Itália, tivemos certeza de que tínhamos de criar algo por aqui, um primeiro projeto; mas confesso que não sabíamos por onde começar.

Optamos pela busca do que já se fazia no Brasil para esse público.

Encontramos a importante e consolidada pesquisa do grupo Sobrevento e nos encantamos com o trabalho da Caixa do Elefante. Que bom que não estamos sós e que vimos nesses trabalhos a seriedade que o assunto merece!

O teatro para a primeira infância deve ser estudado e valorizado e creio que isso deva começar por nós que o fazemos, para que não reste dúvidas ao nosso público sobre a grandeza dessa arte.

Para mim o que chama a atenção é o fato de que temos de pensar que pequenas crianças, bebês, podem e devem ser tocados pela Arte. É valiosíssimo pensarmos o quão receptivos esses pequenos seres são ao mundo e o quanto podemos estimular suas habilidades criativas. Num tempo de relações tão virtuais, trazer o bebê para experiências concretas e materiais, compartilhando com outras crianças e adultos momentos de interação e criatividade, me parece essencial.

Há que se pensar que, ao mergulharmos no universo dos bebês, entramos numa nova relação de tempo, espaço e maneira de se comunicar por meio do teatro, sem o temor de sermos complexos ou de propormos algo incompreensível, e considerando sempre a estética e qualidade artística do trabalho.

Não devemos almejar o entendimento dos bebês para aquilo que vêem, mas proporcionar seu contato precoce com a arte , com experiências artísticas significativas que os permitam simplesmente envolver-se e sentir, valorizando o belo, o inusitado.

Um outro vínculo, que estando no “Visioni” percebemos essencial, é a relação do artista com o pedagogo, sem a pretensão de ser didático ou de se ensinar através do teatro, mas buscando nessa relação um entendimento maior desse público e considerando todos os estudos já existentes na área pedagógica que podem auxiliar na investigação da temática do espetáculo e até mesmo na condução do trabalho.

Visto tudo isso, ainda no meu ponto de vista, o teatro para bebês deve oferecer sempre uma experiência sensorial pós-espetáculo, permitindo que o público explore toda a área cênica e os objetos usados no decorrer da peça, momento esse que só quem tiver a oportunidade de vivenciar poderá entender sua importância e grandeza.

Marcelo Peroni

É graduado em Letras e formado pelo Teatro Escola Célia Helena. Desde 1991 integra a Cia. Paulista de Artes, como ator, diretor e produtor. Entre seus trabalhos como diretor, destacam-se os espetáculos ‘Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias’, de Ruth Rocha, ‘Faz-de-conta que você canta e conta um conto a cada canto’ e a comédia popular ‘Cobrindo a Megera, de olho na fera’. Em 2015, como conta no texto ao lado, fez residência artística na Itália, com o Grupo italiano Principio Attivo, participou do Festival de Teatro para primeira infância “Visioni di futuro, visioni di teatro”, em Bolonha, e participou das oficinas do California Show  Choir  Academy , na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Em 2012, criou, ao lado de Aline Volpi, a Catarsis Produções, onde atua como diretor e produtor, em Campinas.

Obs.
Texto inicialmente publicado no Site Pecinha É a Vovozinha.