Eliana Yunes constatou que 70% dos alfabetizados não conseguem ler um letreiro de ônibus. Foto: Márcia Kranz

Matéria Publicada no Jornal do Brasil – 1º Caderno
Por Eliane Bardanachvili – Rio de Janeiro – 04.03.1990

Barra de Divisão - 45 cm

Pesquisa mostra por que o brasileiro lê pouco

O desinteresse do brasileiro pela leitura é histórico. A sacralização das bibliotecas, redutos de uma minoria intelectual, funcionando como templos inatingíveis pelo povo, ao lado de contradições seculares como a de D. João VI que, em 1810, cria, por decreto, a Biblioteca Nacional e, ao mesmo tempo, proíbe a edição de livros no Brasil, são apenas alguns exemplos levantados pela linguista Eliana Yunes, no trabalho Por uma política nacional de leitura.

O título do trabalho é também o que a pesquisadora, ex-diretora da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), considera o único remédio para que se leia no país. “Há campanhas de alfabetização, mas não de leitura”,
resume. Seu levantamento não revela mais do que vinte projetos governamentais de incentivo à leitura em todo o século 20. Todas elas foram goradas por falta de verbas e de pessoas preparadas para orientar os potenciais leitores.

A raiz da triste realidade está na confusão que se insiste em fazer entre alfabetizar e ler. “Setenta por cento dos ditos alfabetizados no país não sabem ler mais do que o letreiro do ônibus que precisam pegar para ir trabalhar”, diz Eliana. “Essas pessoas não leem”, avalia ela, explicando, assim, o fracasso do Mobral como movimento alfabetizados.

Considerar dispensável o hábito da leitura naqueles que “não são intelectuais” é um erro histórico. A dificuldade de acesso às bibliotecas, que já são poucas – existem apenas três mil bibliotecas públicas no país, para os 4.700
municípios brasileiros, quando o ideal era haver uma por bairro – é, segundo Eliana, um dos reforços à ideia de que a leitura é um verniz cultural e não “um hábito de extrema utilidade para o homem comum”.

Prova disso é que após a Proclamação da República, iniciou-se um projeto de alfabetização em massa sem que houvesse oferta de livros, para aqueles que estavam aprendendo a ler. “Era como se bastasse decifrar os signos básicos para  ser um leitor”, analisa Eliana, apontando uma realidade que persiste nos dias de hoje.

A formação do leitor já começa mal. O trabalho conclui que, no Brasil, consagrou-se que ler é uma atividade estritamente escolar, sinônimo de responder corretamente um questionário sobre o texto lido. A relação entre  autor e leitor inexiste. “O aluno sempre teve que dizer exatamente aquilo que o professor privilegiasse, passando toda a sua vida escolar sendo, portanto, apontado como um mau leitor”. Segundo Eliana, de dez anos para cá, a situação
tem se revertido um pouco e começa-se a estabelecer uma relação “mais prazerosa” com a leitura.

Esse quadro poderia ser bem diferente se o livro não se restringisse à escola e o governo fosse empenhado em “colocá-lo na mão do povo”. Somente em 1975, tenta-se formar no Brasil um sistema nacional de bibliotecas públicas, com o  objetivo – não atingido até hoje – de se criar pelo menos uma biblioteca por município. Até então, as grandes bibliotecas resumiam-se à Biblioteca Nacional e aos ricos acervos particulares de nomes como Plínio Doyle e Pedro Nava.
“Mesmo assim, hoje, a maioria das bibliotecas são, na verdade depósitos de livros, onde, em vez de pessoal especializado para orientar e estimular a leitura, há guardiães que preocupam-se apenas em verificar se o livro foi
rasgado ou desapareceu”, analisa Eliana.

Em pesquisa informal que realizou nos últimos dois anos, para saber se os jovens sabiam onde ficava a biblioteca mais próxima de sua casa, quase cem por cento deles responderam que não. “Se a biblioteca não está ligada às escolas, à  comunidade, e não promove eventos para atrair a população, ela morre à mingua”, afirma.

Além de se esboçar o sistema nacional de bibliotecas públicas, houve também outras iniciativas louváveis, embora tardias, em favor da leitura, nos últimos vinte anos, como a Ciranda de Livros, criada pela FNLIJ, patrocinada pela  empresa Hoecht. O projeto levou às escolas rurais e de periferia do país cerca de 30 mil coleções de 60 livros de literatura infanto-juvenil, entre 1980 e 1984, mas foi interrompido por falta de verbas. Embora tenha saldo positivo, na
avaliação da fundação, houve uma falha: a falta de preparo de professores para lidarem com os livros.

“Na maioria das escolas, os livros foram trancados em armários ou levados para a casa do diretor para não estragarem”, conta Eliana. “Não se tem professores leitores, gente saiba como lidar com livros. Mais uma vez se comprova que a leitura é um apêndice, um enfeite, algo que não move a vida das pessoas”, lamenta.

A mesma falha se vê também no projeto Sala de Leitura, criado em 1985 pelo governo federal, nos mesmos moldes da Ciranda, para atingir, desta vez, todas as escolas do país, com cerca de 100 títulos infanto-juvenis por ano.

“Continuamos sem saber se estão usando ou não os livros”, conta Eliana. A partir do ano passado é que se começou a pensar em pedir relatorias às escolas. “É tudo muito empírico”.