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O teatro para crianças em nossos tumultuados dias se faz cada vez mais necessário. Eventos que discutam esses espetáculos também estão na ordem do dia. Por isso, a relevância do Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau, já em sua quarta edição. Como membro da comissão de seleção e debatedor deste evento, e, principalmente, como um livre pensador, no que se refere às questões teatrais em nossos dias, aproveito este espaço para discutir a temática das peças apresentadas nesses últimos anos do Festival e em outras produções para crianças no Brasil.

Antes ainda, vale ressaltar que a preocupação com espetáculos que valorizem o trabalho do ator estão, finalmente, em ascensão. Vários são os trabalhos onde o cenário, figurino e adereços estão apenas a serviço dos atores, e não como em outros tempos, onde o ator ficava amarrado a uma estrutura de produção que o engolia e o fazia apenas instrumento ilustrativo no espetáculo. O ator volta a tomar as rédeas da encenação.

Não acredito que isso já tenha chegado a bom termo, mas é um bom indicativo para o futuro. Retomando a temática, os espetáculos para crianças continuam a mostrar ao público apenas um lado da criança e ainda não conseguiram penetrar de forma artística no outro lado do universo infantil. Serei mais objetivo: somente aparecem o lúdico, a fantasia, os sorrisos e, invariavelmente, os finais felizes. Não entrarei no mérito dos espetáculos, e não são poucos, que ainda tentam enfiar na criança uma “mensagem”, principalmente de cunho moral.

Esses realmente são um desserviço à arte e à sociedade livre que muitos de nós almejamos. Com certeza, não estou aqui fazendo propaganda para que os espetáculos para crianças façam reverência à violência, isso a televisão já faz com muita competência, infelizmente. Discuto sim, a necessidade de apresentar à criança também suas perdas, frustrações, derrotas, mesquinharias e, porque não, a morte. Isso tudo, quando é apresentado em um ou outro espetáculo, está camuflado e a criança pouco tem contato com essa realidade. A temática dos espetáculos dificilmente fala especificamente sobre um desses temas.

Lembro-me de um espetáculo do Grupo Proteu, de Londrina, que trabalhava na perspectiva dos sonhos dos meninos de rua, onde todos éramos surpreendidos com a morte do personagem principal, atingido por uma bala perdida. Todos pararam para pensar e refletir sobre a miséria dos meninos e meninas de rua no Brasil. Este, sem dúvida, foi um espetáculo que disse ao que veio.

Desculpem-me os puristas, mas é chegada a hora de avançar nessas discussões. Estamos reproduzindo um pensamento infantilizante, que apenas serve aos olhos e, como preferem alguns, ao “coração”. A criança não será adulta, ela já está inserida no mundo dos “grandes”. Negarmos isso é mantermos o preconceito e a distância entre nós e elas. Como bem nos disse Maiakovki, o “teatro não é espelho, mas sim lente de aumento”. A criança precisa vislumbrar, através de nossa arte, o mundo em que ela vive, e como ela deve lidar com ele. Deixar que ela tome posições somente quando já for “grande”, apenas protela o problema. Não desejo que cometamos o erro de crescer as crianças antes do tempo, mas sim, de fazer com que elas olhem o mundo não somente lúdico, com a sua visão de criança, sem esconder ou camuflar. Pitar o mundo somente com cores coloridas é tão pernicioso quanto não pintá-lo. É um desafio. Como viveriam o teatro, os atores, diretores e dramaturgos, sem o desfio e o conflito? Estamos alertas e sempre pensando e repensando, por isso estamos vivos. Viva o teatro para crianças!

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Lourival Andrade Júnior
Ator e diretor de teatro, pós-graduado em Teatro pela Faculdade de Arte do Paraná. Diretor do Grupo Teatral “Acontecendo Por Aí” e do Grupo de teatro da Univali – SC. Foi Presidente da Associação Nacional de Professores e Diretores de Teatro Universitário Poiesis, e Gerente de Artes Cênicas da Fundação Catarinense de Cultura.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 4º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2000)