O Projeto começou em casa: empregados da Biblioteca Nacional, ouvem histórias de Guimarães Rosas. Foto: José Roberto Serra

Matéria Publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Eliane Bardanachvili – Rio de Janeiro – 25.10.1992

 

 

 

 

 

 

Barra de Divisão - 45 cm

Ler, o prazer que virou mania de brasileiros

Projeto da Biblioteca Nacional comprova que livro deixa de ser objeto de iniciados para atrair adultos de baixa escolaridade

O brasileiro quer ler. De histórias em quadrinhos a Guimarães Rosa. A constatação – à primeira vista surpreendente – é da equipe da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que está à frente do primeiro programa nacional de incentivo à leitura, o Proler. Depois de dois anos orientando projetos de incentivo à leitura, a equipe comprovou que não há quem resista a rodas de leitura em praças públicas ou dentro de livrarias, com um bom contador de histórias, ou a bibliotecas volantes em vagões de trem, e, ainda, a trabalhos com textos em hospitais e presídios, com direito a debates.

Iniciativas como essas estão atraindo público inesperado, como adultos que não têm 1º grau completo. “É preciso desescolarizar a leitura e acabar com a ideia de que livro é objeto para iniciados”, explica a assessora geral do Proler,
Eliana Yunes. A equipe conta com professores de Letras, escritores e até atores que vão a qualquer canto do país para formar contadores de histórias. Criado há dois anos, e oficializado em maio passado em decreto da Presidência da
República, o Proler pôs o Brasil entre os quatro únicos países da América Latina a contar com uma política nacional de leitura – ao lado de Venezuela, Cuba e Colômbia.

A alta procura que o Proler vem tendo é o termômetro com que a equipe mede o interesse dos brasileiros pela leitura.
Quase diariamente, representantes de prefeituras de grandes e pequenas cidades, secretarias de Educação, associações de moradores, hospitais e órgãos federais batem à porta da Biblioteca Nacional em busca da ajuda dos especialistas. Estão registradas cerca de 500 entidades em todo o país que já procuraram o Proler.

“Outro dia, vieram aqui seis professores de Barra do Piraí (RJ), para nos pedir ajuda, dizendo que queriam estimular a leitura na cidade”, conta Eliana. Embora oficializado pelo governo, Proler é mais uma vítima da falta de verbas e faz ginástica para sobreviver. Há mais de um ano, a equipe do programa sobrevive apesar da dança das cadeiras no governo
federal. “Íamos viabilizar um convênio com o Ministério da Saúde quando caiu o Alceni Guerra. Tínhamos um programa pronto para desencadear Rio-92, quando saiu o José Lutzenberger (ex-secretário nacional de Meio Ambiente)”, conta Eliana Yunes. “Temos sempre que recomeçar o trabalho de catequese das autoridades a cada mudança.”

Contar Histórias, o Despertar do Interesse

Para despertar o interesse pela leitura, os especialistas partem de uma prática secular: contar histórias. A fórmula se aplica com sucesso a crianças e adultos, garantem. “Ouvindo histórias, a pessoa descobre o mundo da ficção e é
estimulado a procurar mais histórias nos livros. Isso é uma tradição antiga”, explica Eliana Yunes.

Com um exemplo dentro de casa, o Proler já mostrou que o processo da resultados. Há um ano, serventes e operários da Biblioteca Nacional lidam com nomes como Guimarães Rosa, Lima Barreto ou o argentino Júlio Cortazar, em reuniões de uma hora toda quarta-feira. A cada encontro, o grupo, de cerca de 20 pessoas assíduas – estão cadastradas 50 -, recebe cópia de um conto, acompanha sua leitura em voz alta por um leitor-guia (em geral um professor convidado) em seguida, debate o texto, com direito a tirar dúvidas e abordar experiências ligadas ao tema. “Outro dia, a partir de um conto de Guimarães Rosa, conversamos muito sobre o Nordeste”, conta Cláudia Muniz, uma das assessoras do
projeto, batizado de Conta Conto, parte de um trabalho maior chamado Prazer de Ler.

“Já tinha ouvido falar de Lima Barreto porque ele foi enredo da Escola de Samba Império da Tijuca”, associou a servente Cléia Daniel Reis, 55 anos, que, no entanto, nunca esperara deparar algum dia com um texto do autor, Cléia, que mora na Vila do João e só estudou até a 3ª série do 1º grau, frequenta desde o início o Conta Conto. Ela costuma levar os textos que recebe para a neta que estuda na 5ª série: “A gente conversa sobre isso e ela pode usar o texto para
fazer pesquisa no colégio.”

A existência do Conta Conto passa de boca em boca na Biblioteca Nacional. Assim que entra um funcionário novo, a informação sobre o encontro semanal chega rapidamente. Foi assim com a servente Ediram Gonçalves Reis, 37 anos, há um mês na biblioteca: “Minhas colegas falaram dessa atividade e eu fiquei curiosa.”

O Prazer de Ler está dominando também o público universitário. Na UFRJ, onde pesquisa recente computou apenas 7% de alunos leitores – capazes de compreender e absorver o que leem -, começou mês passado na Faculdade de Letras um ciclo com contadores de histórias, nos mesmos moldes do trabalho na Biblioteca Nacional. Em um mês, o número de participantes dobrou – 30 para 70 pessoas.